Bom dia

"Hoje, encaminhei-te até aos sonhos, nos deslumbramentos do belo, nas metamorfoses das ideias que nos povoam os mundos, os nossos mundos, de faca na mão, das palavras urgentes na ponta da língua. E cortei-te, jorrando-te para dentro de nós, até os alicerces que antes nos suportavam implodirem nas partículas nuas com sabor a sal.

Quando acordares, com a luz que escolheres ao abrir a janela, irás reparar como ela define as histórias que os lençóis contam, se as sombras existem e contornam os anjos, toldando-lhes as formas com ilusões maravilhosas. Irás sentir o calor das asas, das penas fofas e afiadas, à medida que tomamos o pequeno-almoço na varanda e olhamos para os jardins, à procura das brincadeiras traquinas das crianças, abraçados pela morte que nos permitiu viver mais um dia.

No final, irás abrir os olhos e ficar sem perceber se existo ou não, se aquela aragem breve que faz voar os papéis das preocupações não será apenas vento, um sopro do coração, do teu coração, dado a beber de maneira incauta e inocente, até as artérias espreitarem por entre os dentes, dormindo no canto dos lábios. Sorriso perverso, levas um dedo até eles, convidas a adormecer, e a que te diga bom dia, quando acordares e me vires ao teu lado."

Nuno Almeida, Retratos, 2009


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elsafer
admin
15 junho, 2009 09:42 ×

a manhã é translúcida, esvoaçam as ideias de momentos que ficaram entre a ondulação do mar ... que um pouco distante teima em transmitir o seu acordo ... aos amantes ... á noite ... e á madrugada

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