"Estou num restaurante qualquer. Podia ser o teu, o meu, o nosso, ou aquele onde vamos sempre, mas não, é um qualquer mesmo, daqueles em que nos reunimos sabe-se lá porquê após uma tarde de copos, quando todas as ruas e nomes nos parecem difusos e baços quando olhamos para eles.
Somos mais de vinte pessoas, ou talvez trinta. Já nem sei, parei de as contar por volta da primeira dezena depois de perceber que já não conheço ninguém aqui. A premissa tinha a sua piada, reunião de pessoas que já não se vêm há muitos anos.
Entre as histórias de vidas que não são as minhas e as diversas crianças e bebés que se encontram espalhados ao longo da mesa, dou por mim em estado de completo isolamento apesar de estar rodeada de gente.
Esforço-me por integrar-me, rio-me por tudo e por nada, e alto, assim como levanto a voz sempre que posso, numa atitude típica de procurar destaque, um apelo, um olhem para mim, um: eu existo e estou aqui.
No meio das perguntas de qual é a pessoa com que estou actualmente e de quando é que chega a minha vez de brindar o mundo com uma criança também, dou por mim cada vez mais intrigada com os porquês de ter aceite o convite para este convívio, já que eles são sempre iguais e propícios a causar desconfortos e dúvidas existenciais tão básicas como simples, no sentido do ok, que faço eu aqui neste jantar, e com estas pessoas?
Bebo mais um gole da imperial cujo número já me esqueci também, dou outros nas sangrias e restantes bebidas alcoólicas que vão passando pela mesa. Ao menos que fique bêbada penso cá para mim.
Noutra mesa alguém conversa com pessoas da nossa e dou por mim a olhar para uma delas, já em estado de não querer saber. Penso cá para comigo, que sim, até podia dormir contigo hoje, porque não, mais um, menos um, sempre alivia um pouco a tensão pelo menos.
Muito penso eu neste jantar, mantendo diálogos intimistas comigo própria, o que apesar de ser chato e ultra aborrecido, ou não fosse eu uma pessoa altamente desinteressante, sempre poderá ser melhor do que escutar mais uma vez as conversas da empresa onde trabalha o sujeito x, a loja onde compram as roupas para a miúda y, e os resultados do jogo de futebol da semana anterior.
Haja paciência. Levanto-me e a casa de banho é o refúgio mais próximo, onde tanto o cigarro que fumo às escondidas e os desenhos que faço a caneta no papel higiénico sempre são melhores do que aturar o pesadelo lá fora.
Eventualmente, alguém lá há-de perguntar por mim, não na hora, mas quem sabe dias depois, e eu já estarei longe, mas tão longe, que nem eu própria me conseguirei encontrar. E ainda bem."
Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos
boomp3.com
Somos mais de vinte pessoas, ou talvez trinta. Já nem sei, parei de as contar por volta da primeira dezena depois de perceber que já não conheço ninguém aqui. A premissa tinha a sua piada, reunião de pessoas que já não se vêm há muitos anos.
Entre as histórias de vidas que não são as minhas e as diversas crianças e bebés que se encontram espalhados ao longo da mesa, dou por mim em estado de completo isolamento apesar de estar rodeada de gente.
Esforço-me por integrar-me, rio-me por tudo e por nada, e alto, assim como levanto a voz sempre que posso, numa atitude típica de procurar destaque, um apelo, um olhem para mim, um: eu existo e estou aqui.
No meio das perguntas de qual é a pessoa com que estou actualmente e de quando é que chega a minha vez de brindar o mundo com uma criança também, dou por mim cada vez mais intrigada com os porquês de ter aceite o convite para este convívio, já que eles são sempre iguais e propícios a causar desconfortos e dúvidas existenciais tão básicas como simples, no sentido do ok, que faço eu aqui neste jantar, e com estas pessoas?
Bebo mais um gole da imperial cujo número já me esqueci também, dou outros nas sangrias e restantes bebidas alcoólicas que vão passando pela mesa. Ao menos que fique bêbada penso cá para mim.
Noutra mesa alguém conversa com pessoas da nossa e dou por mim a olhar para uma delas, já em estado de não querer saber. Penso cá para comigo, que sim, até podia dormir contigo hoje, porque não, mais um, menos um, sempre alivia um pouco a tensão pelo menos.
Muito penso eu neste jantar, mantendo diálogos intimistas comigo própria, o que apesar de ser chato e ultra aborrecido, ou não fosse eu uma pessoa altamente desinteressante, sempre poderá ser melhor do que escutar mais uma vez as conversas da empresa onde trabalha o sujeito x, a loja onde compram as roupas para a miúda y, e os resultados do jogo de futebol da semana anterior.
Haja paciência. Levanto-me e a casa de banho é o refúgio mais próximo, onde tanto o cigarro que fumo às escondidas e os desenhos que faço a caneta no papel higiénico sempre são melhores do que aturar o pesadelo lá fora.
Eventualmente, alguém lá há-de perguntar por mim, não na hora, mas quem sabe dias depois, e eu já estarei longe, mas tão longe, que nem eu própria me conseguirei encontrar. E ainda bem."
Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos
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8 comentar
Click here for comentarIsso faz-me lembrar alguns almoços/ jantares a que fui sem saber muito bem o que fazia eu ali. Lembro-me que uma vez levantei-me e respondi que me ia embora. De repente ficou tudo muito interessado em mim e na minha vida. Apenas disse: Não sentirão a minha falta. De súbito, eu que não era ninguém ali passei a ser a 'melhor amiga' daquelas pessoas com quem já nem me identificava. Não tenho paciência para este tipo de coisas. Paguei a minha parte e fui à minha vida.
ReplyHeheh, esta história vem muito de cenas dessas, não só vividas na pele, como estar numa mesa e observar um desses jantares enormes e o comportamento das pessoas. Por vezes até dá vontade de ter uma camara e começar a filmar. ;)
ReplyPara não variar isto depois entrou noutros campos enquanto ia divagando, mas realmente, haja paciencia para certas coisas.
"És um anti-social!"
:p
lol tou-te a ver a rir a observar a cena toda.
Replypor vezes uma pessoa passa por 'bicho-do-mato' sem o ser.
Completamente, e cortar-me bue a este tipo de convivios não ajuda. ;)
ReplyBridget Jones?! :)
ReplyEste veio mais de um jantar que fui observando no fds passado, mas sim, podia bem ser algo retirado de certa cena desse filme. :)
Reply"Eventualmente, alguém lá há-de perguntar por mim, não na hora, mas quem sabe dias depois, e eu já estarei longe, mas tão longe, que nem eu própria me conseguirei encontrar. E ainda bem."
Reply[Gostei. :)]
Troquei as voltas e li este texto ao mesmo tempo que ouvia a faixa em cima de Death in Vegas... :) Ficou interessante.
E depois de ter visto aquele vídeo (do pássaro), que tenta fugir e não consegue, encaixa-se aqui na perfeição.
Mas a faixa 'correcta' também está fixe. :)
**
Thx. :)
ReplyMesmo que não seja positivo, sinto que volta e meia existe algo no final de muitas das jornadas, que termina a minha divagação do momento.
Ah, o vídeo dos I Love You But I'Ve Chosen Darkness. É tão brutal que até incomoda.
No fundo muitas faixas podem ser o background dos textos, criando na mesma certa imagem. :)
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