Egoísmos

"Ora muito bom dia!

Hoje sou eu quem mexe os cordéis, quem vos entretém neste espectáculo de variedades, e de vaidades, e mais uma vez não vos trago nada de novo, não ofereço nada de estimulante para o vosso dia-a-dia e nem faço nada para melhorar isso ou o mundo. E porquê? Porque não quero! Porque resolvi acreditar que tenho vontade própria, que tudo faz plenamente sentido e que o meu tempo por cá é apenas um ritual de passagem, uma mera formalidade.

Perdemos tanto tempo com coisas e assuntos que não interessam para nada, com futilidades e trivialidades, com labirintos que não interessam a ninguém, que se nos perdermos o mais certo é não estar lá ninguém, no fim do caminho, para se lembrar de nós.

A inércia não é uma batalha a ganhar, mas sim algo que se constrói para nós próprios. Eu tenho a minha, tu tens a tua, e cada um de nós faz com ela o que quiser. Raios, e se eu quiser fazer dela a minha vida o problema é meu! Só meu!

Nada se vê, nada se constrói, nada se pensa, de nada nos alimentamos e de nada sobrevivemos. Quando dizes bom dia e: “olá, tudo bem?”, será que queres mesmo saber a resposta? Será que queres mesmo olhar para dentro da insanidade dos meus olhos e saber a resposta?

Roupas coloridas, frases dispersas, talheres mal colocados, deambulo-me à vossa frente, sempre na corda bamba, sempre a fazer disto uma espécie de trapézio, como se fosse palhaço, acrobata e espelho ao mesmo tempo.

Estamos a pisar terreno perigoso e este palco deixou de ser interessante, tal como tudo o que me rodeia e que tenha a ver comigo, como uma corda que se rói a pouco e pouco. Somos todos marionetas e ninguém tem a coragem de assumir o controlo, de pegar na carruagem, de pensar que algo até pode ser importante, mesmo que não para nós próprios.

Mas que egoísmo o meu, estar a apontar uma arma à minha cabeça. Que falta de sensibilidade, de não pensar nos outros e nas consequências. Realmente o sangue é muito chato de limpar se virmos bem.

Primo o gatilho."

Nuno Almeida, Lugares Comuns, 2008

boomp3.com

9 comentar

Click here for comentar
Anna Molly
admin
16 maio, 2008 19:43 ×

oi oi...
gostei...
vou ter de ler de novo, mas gostei!

**Perdemos tanto tempo com coisas e assuntos que não interessam para nada, com futilidades e trivialidades, com labirintos que não interessam a ninguém, que se nos perdermos o mais certo é não estar lá ninguém, no fim do caminho, para se lembrar de nós** Bonitooo, mas mais vale fazer o caminho e descobrir se estará lá alguem do que ficar a meio... :)

Reply
avatar
16 maio, 2008 19:52 ×

Hello. :)

É bem verdade, vale sempre mais percorrer o caminho até ao fim que sentes ser o teu, quer ele inclua pessoas ou não. Mas infelizmente há muitas que não o encontram, ou perdem-se a meio.

thx mais uma vez. :)

Reply
avatar
Lucia
admin
17 maio, 2008 14:13 ×

Li este texto ao ouvir o mais recente de NIN e digo-te que até me arrepiei.

Essa frase, é a frase. Mas acho que por muito que me tente convencer disso, tenho sempre esperança de estar lá alguém.

Nada. A beleza desta palavras faz primir muitos gatilhos. O meu gatilho é levar o nada ao extremo da emoção.

Reply
avatar
17 maio, 2008 14:54 ×

:)

Este texto recorda-me uma mistura de coisas que escrevi há anos, em que assumia o papel de uma figura que introduzia-nos ao circo que pode ser a nossa vida em geral, assim numa onda altamente corrosiva. E o início apontava muito para isso, até que com tempo vemos é que temos alguém muito desiludido com a vida e consigo próprio, e que tenta disfarçar isso sem o conseguir.

Não sei, foi uma beca marado e uma pessoa a ler ainda pensa que vou dar um tiro na cabeça ou isso, mas nah...

No fundo os gatilhos por aqui acabam por ser de outro tipo, tal como os teus.

Mas confesso que coisas como aquela frase martelam-me a cabeça de maneira regular.

Reply
avatar
18 maio, 2008 11:55 ×

| claro que quero.. mas isto sou eu e eu também não me movo por vontade própria.. |

Volto mais tarde. Sair... gostei do que li e fiquei a pensar. Sair e pensar. Pensar e sair.. desanuviar. Cio.. pensar... Vou. Mas volto.

**

Reply
avatar
Lucia
admin
18 maio, 2008 13:53 ×

Azelpds,

textos que nos fazem pensar por muito corrosivos que sejam ao auto-destructivos penso que é um sinal positivo e não negativo. :)

Creio seres uma pessoa mais de explorar emoções do que própriamente andares a jogar à roleta russa!

O que disseste no teu comment é sem dúvida um assunto interessante de se reflectir.

Mas a Liliana é que faz bem, depois desta conversa toda o que apetece é mais sair e viver a vida e depois voltar a ler o texto com outros olhos. :)

Reply
avatar
18 maio, 2008 14:10 ×

heheh. Viver e sentir a vida é um dos meus motes pessoais nos tempos que correm, o tal desfrutarmos as coisas em pleno, como se não houvesse amanhã, e enquanto o podemos fazer. :)

Quem sabe eu vá sair também hoje, ainda para mais com o tempo tão convidativo. :p

Reply
avatar
Lucia
admin
18 maio, 2008 17:06 ×

Já não sei quem me disse que a diferença está nos pormenores e digo-te que passei a valoriza-los. As pequenas coisas da vida fazem mesmo a diferença. Seja um sorriso, um gesto, um raio de sol, uma cerveja numa esplanada...

Reply
avatar
18 maio, 2008 17:15 ×

Yep, são que dão cor à vida no fundo. :)

Reply
avatar