"Era uma vez... um campo de trigo, que tu percorrias sem preocupações, deixando o cabelo soltar-se, dançando com a brisa, enquanto sentias na pele todo aquele aroma, aquela paz, de estares contigo e de te encontrares finalmente, nem que seja por breves instantes.
Planavas lá no alto daqueles teus pensamentos, na redoma que criaste para te proteger das aproximações de quem te quer conhecer apenas superficialmente, sem investigar todos os cantos à casa. São eles que nos perdem, somos nós que não nos achamos, és tu a causa e o efeito, o caos e a ordem, somos nós que vagueamos por aqui, tantas vezes sem destino.
Estavas nua, sem roupa, despida, e as cicatrizes, as marcas, as dores, estavam lá, para as vermos, para nos acordarem, relógios despertadores, ponteiros, cacos de um vaso sem água, sem flores, sem ponta por onde se lhe pegue.
Apetecia-me agarrar-te por um braço e abanar-te toda, sacudir-te desse mundo em que vives, mas não o faço, caso contrário perderias a tua essência, assim como eu perderia a minha se deixasse o meu para entrar no teu. E assim continuamos, distantes um do outro, nestas caminhadas, fugas e desencontros, que não nos levam a lado nenhum.
Tudo seria tão mais fácil, e simples, se conseguíssemos fugir de nós próprios, mas tão chato também ao mesmo tempo.
Enquanto apanhavas o teu vestido do chão, observava atentamente como ele se encaixava perfeitamente no teu corpo direito, magro, com pouco mais do que a carne necessária para que o mesmo não fosse constituído por ossos apenas. Era uma visão sempre interessante, e ainda és confesso, a que tu me davas o prazer de ter, naquelas horas em que nada parecia fazer sentido, naquelas alturas em que estás perdido e só queres apenas encostar a cabeça, de preferência num colo como o teu.
Aos poucos foste ganhando o hábito de passar as mãos sobre mim, fazendo-me festas suaves, enquanto dormia debruçado sobre ti, assim como eu fazia o mesmo contigo sempre que podia. Nessas alturas o tempo parava e tudo me parecia tão perfeito, bonito e bucólico, à medida que um de nós olhava para o outro a dormir, tirando fotos à cara que fazíamos nesses momentos, tão inocente, tão criança, tão…nossa.
À medida que abandono a tua campa, levo comigo novamente todas estas memórias, com um silencio desconfortável, tentando não te perder também aqui, neste meu interior, nem pensar muito nos porquês de teres decidido ir embora primeiro que eu, porque realmente isso não interessa. Já nada mais interessa.
Quando chegar a casa vou despir-me também, lentamente, sem pressas. Torneira aberta, banheira cheia, líquido frio, rituais, sinto-me perdido. Um pequeno movimento é suficiente, e quando finalmente a água tingir-se de vermelho e eu for ter contigo, espero pelo menos um sorriso e um abraço teu. Até já meu amor."
Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos
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Planavas lá no alto daqueles teus pensamentos, na redoma que criaste para te proteger das aproximações de quem te quer conhecer apenas superficialmente, sem investigar todos os cantos à casa. São eles que nos perdem, somos nós que não nos achamos, és tu a causa e o efeito, o caos e a ordem, somos nós que vagueamos por aqui, tantas vezes sem destino.
Estavas nua, sem roupa, despida, e as cicatrizes, as marcas, as dores, estavam lá, para as vermos, para nos acordarem, relógios despertadores, ponteiros, cacos de um vaso sem água, sem flores, sem ponta por onde se lhe pegue.
Apetecia-me agarrar-te por um braço e abanar-te toda, sacudir-te desse mundo em que vives, mas não o faço, caso contrário perderias a tua essência, assim como eu perderia a minha se deixasse o meu para entrar no teu. E assim continuamos, distantes um do outro, nestas caminhadas, fugas e desencontros, que não nos levam a lado nenhum.
Tudo seria tão mais fácil, e simples, se conseguíssemos fugir de nós próprios, mas tão chato também ao mesmo tempo.
Enquanto apanhavas o teu vestido do chão, observava atentamente como ele se encaixava perfeitamente no teu corpo direito, magro, com pouco mais do que a carne necessária para que o mesmo não fosse constituído por ossos apenas. Era uma visão sempre interessante, e ainda és confesso, a que tu me davas o prazer de ter, naquelas horas em que nada parecia fazer sentido, naquelas alturas em que estás perdido e só queres apenas encostar a cabeça, de preferência num colo como o teu.
Aos poucos foste ganhando o hábito de passar as mãos sobre mim, fazendo-me festas suaves, enquanto dormia debruçado sobre ti, assim como eu fazia o mesmo contigo sempre que podia. Nessas alturas o tempo parava e tudo me parecia tão perfeito, bonito e bucólico, à medida que um de nós olhava para o outro a dormir, tirando fotos à cara que fazíamos nesses momentos, tão inocente, tão criança, tão…nossa.
À medida que abandono a tua campa, levo comigo novamente todas estas memórias, com um silencio desconfortável, tentando não te perder também aqui, neste meu interior, nem pensar muito nos porquês de teres decidido ir embora primeiro que eu, porque realmente isso não interessa. Já nada mais interessa.
Quando chegar a casa vou despir-me também, lentamente, sem pressas. Torneira aberta, banheira cheia, líquido frio, rituais, sinto-me perdido. Um pequeno movimento é suficiente, e quando finalmente a água tingir-se de vermelho e eu for ter contigo, espero pelo menos um sorriso e um abraço teu. Até já meu amor."
Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos
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14 comentar
Click here for comentarAdorei este teu texto... mais um que me conseguiu prender o meu olhar às palavras...
ReplyJá te tinha dito o que achei dele, mas ainda assim tenho mesmo que comentar.
Está muito BONITO! Mesmo... Já o li várias vezes e parece uma música, a desenrolar... depois vai subindo subindo e quando menos se espera a faixa termina, assim de repente, deixando-nos semi-saciados mas com vontade de ouvir mais. Então põe-se a tocar novamente.
Com este texto é igual.
Gosto dele, por isso carrego no 'Play' muitas vezes.
Estrondoso o final. Romântico... dramático... e mais não digo.
Não vale a pena. Nem eu sei muito bem o que dizer... o melhor mesmo é tornar a carregar no play novamente.
Vou ficar viciada nele... e já não bastava estar a ficar viciada em IAMX!! Oh Cristo!... :p :p :p :p
...
**
:)
ReplyObrigada mais uma vez, e nem sei o que dizer também sobre este texto. Na hora só consegui soltar aquelas palavras que partilhei contigo *jesus christ*, ao ver, e reler, o que saiu daqui.
Para ajudar estes vícios, nada como outra faixa de IAMX. :p
:)
Este texto está muito Forte. No inicio pensei que ela estava viva, mas simplesmente habitava num mundo diferente do dele!!
ReplyQuando li campa fiquei ... Wowwww!!!
Está muito giro, mesmo...
de todos os teus textos que li, posso afirmar que este é o meu 2º Favorito!
A tua reacção foi igual à minha, à medida que ia escrevendo, em que tudo apontava para duas pessoas que teimavam em desencontrar-se por estarem tão centradas nos seus mundos, até que ya, eu próprio fiquei *wtf?* quando vejo e releio o resultado final.
ReplyThx. :)
Qual é o teu texto favorito por agora?
O meu eleito é o da Marioneta!!!
Reply:)
Eu adoro esse também, e meteu a fasquia pessoal meio elevada na altura. :p
ReplyOh e já vi que temos novas fotos outra vez. ;)
depois de algum tempo ser vir aqui, deparo-me com este texto.
Replyparabéns! gostei muito.
:)
ReplyFoi muito bom ter ido ontem tirar as fotos...Ri tantooo, porque vi pessoal a tomar banho sem querer...
:)
Thx lucia, e já percebi porque andaste desaparecida ao ver o teu site. ;)
Replysoya, ahahah a tomar banho sem querer? Por causa do estado do mar?
Acho que estou a precisar de ambientes pacíficos e bucólicos, just a feeling. +_+
always busy as a bee :P
Reply:p
ReplyÉ sempre bom sinal quando nos conseguimos manter ocupados com os nossos hobbys e paixões. :)
Sim, por causa do estado do mar! :)
ReplyAnima-te...
Também partilho da mesma opinião da Soya e este, de todos os bons que tens, também está entre os meus favoritos. Lindo... cada detalhe.. todo ele.
ReplyMuito bom mesmo.
E pensar como surgiu.. :D :D :D
**
Soya, Oh, eu estou animado, quer dizer, dependendo da noção que cada tem de animado. :p
ReplyMas estou cá com um cansaço weird hoje. Parece quando temos aqueles momentos clichés em que dizemos que estamos a precisar de férias. ;)
Mas ao mesmo tempo apetecia-me estar a fazer mais coisas, seja lá o que fosse, fora do dia a dia. E continuo com algo na cabeça relacionado com a tua cena de dormirmos de olhos bem abertos, assim como certa ideia relacionada com estar-se a conduzir de noite, com árvores, em quinta, algo relacionado com dedos finos e erm... gahhh, que o cérebro não pára. +_+
Liliana thx mais uma vez, e ya, tão estranho como as coisas funcionam neh?
;)
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