Ansiedades

"Estou aqui sentada e não sei o que fazer. Olho em redor e tento descortinar algo que me desperte vontades, que me faça mexer, que me tire destes hábitos, que me faça dançar sozinha e abraçar o ar, não só este que respiro como o dos outros.

Quero-te. Sim, inevitavelmente quero-te, como um prazer culpado, que tanto me corrói as entranhas como me faz sorrir de maneira melancólica, sem que nada possa fazer para o evitar.

A meu lado mantém-se a tua companhia sempre fiel, sem juízos de valor, sem manias, sem perversões, sem sinal de existires além de mim, do meu ser, da minha presença. És meu e eu sou tua, como sempre quisemos, ou porque simplesmente assim aconteceu, as razões não são para aqui chamadas.

Mesmo assim continuo com tristezas e incertezas que não sei de onde vêm nem para onde vão, ou se calhar sei mas tento não pensar muito nisso nem demonstrar na maior parte dos casos, pois não quero que olhem para o meu interior e para o que sou verdadeiramente.

Apetece-me apenas estar aqui, a olhar para ti, quem sabe à espera de alguma reacção do teu corpo inerte, ou talvez porque gosto apenas de o fazer, de delinear os contornos, as tuas curvas, as tuas imperfeições, com estes pequenos devaneios clínicos, de observar, absorver e beber da tua essência com um desejo sôfrego.

Passo os dedos pelo cabelo repetidamente, tiques que se apanham, mensagens que se ganham, enquanto continuo a olhar para ti.

Gostava de fazer o mesmo em ti, de deliciar-me com cada fio do teu cabelo, consoante ele descaia de dedo em dedo, de uma mão para a outra, e cerro os punhos para não o fazer, apertando as pernas uma contra a outra, numa pose que tanto tem de frágil, à espera de algo, como de defesa.

Finalmente lá arranjo coragem, e decido ser directa contigo.

"Olha lá, importas-te de olhar também para mim, nem que seja só um bocadinho?"

Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos


boomp3.com

PS: Este texto foi escrito de improviso ao vislumbrar esta nova ilustração da Liliana Lourenço, que podem ver acima, com o trabalho dela a ser espectacular e uma fonte de inspiração tremenda, enquanto ouvia a música que podem escutar mais abaixo no final do texto.

Este é o segundo que nasce destes clics e colaboração criativa, com o primeiro a ter surgido de maneira inversa, em que recebi um convite e ideia da Liliana para escrever algo para ela fazer uma ilustração a partir daí.

Adorei o resultado destas duas colaborações de improviso entre as pessoas, destas químicas criativas. Obrigado Liliana, e vamos lá ver o que continua a sair daqui :p

18 comentar

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07 abril, 2008 16:45 ×

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!!! (grito!!!)
:)

Eu já sabia que ias colocar aqui a ilustra e o texto mas é sempre uma surpresa quando nos deparamos com as coisas finalizadas! :)

E olha que bem que combina a ilustra, em termos cromáticos, com o teu blog?? :)

O texto já tínhamos falado sobre ele, mas torno a dizer o que te disse na altura:
GOSTEI MUITO!!! :)

Acho particular piada ao 3º parágrafo em que se confunde o sentimento que ela nutre pelo cão, que mais parece referir-se a uma pessoa..

Os teus textos têm-me vindo a surpreender bastante pela positiva e este feedback recíproco tem dado para rir e surpreendermo-nos mutuamente.
Muito bom: o texto e a passagem mútua de inspirações! :)

**

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07 abril, 2008 16:57 ×

A ilustração em si já é linda, mas combinar com as cores deste blog também é porreiro. :p

Isso do terceiro parágrafo senti o mesmo quando reli o texto, com a cena do cão a confundir-se com o resto.

Quem sabe ela esteja a projectar para o animal e fiel companheiro a relação que queria ter com a pessoa, who knows. Isto falando assim até parece weird, já que eu é que o escrevi, mas uma pessoa sabe lá o que o mente quer dizer na hora. +_+

Obrigado mais uma vez. ^_^

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Anna Molly
admin
07 abril, 2008 17:11 ×

Mais uma vez: Wow!!!

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07 abril, 2008 18:17 ×

Mas olha que combina mesmo!
Parece até que ela foi feita de propósito para aqui.:)

Mesmo o ar dela.. não sei.. eu quando a vejo deste lado sinto-a de forma diferente de quando a olho no meu blog.

Sabes que as cores de fundo influenciam bastante as imagens e o negro daqui consegue atribuir-lhe mais impacto e entra até mais em sintonia com o texto que criaste.
Texto e imagem tornam-se mais intensos aqui do que sobre um fundo branco. Engraçado..

Quanto ao 3º parágrafo, na altura também pensei nisso, que ela estaria a projectar para o animal o que gostaria de ter com 'alguém'..

Não é muito raro fazermos isso.
Eu mesma dou inúmeras vezes por mim a desejar ter alguém com a personalidade do meu gato Charly. :) Tão doce e ao mesmo tempo tão dono de si mesmo.. :)

As nossas cabeças são mesmo caixinhas de surpresas.. nunca se sabe o que vai sair de dentro delas e muitas vezes o que sai, nem nós mesmos conseguimos entender o que saiu e porquê que saiu daquela forma e não de outra..

**

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07 abril, 2008 19:57 ×

Soya, thx. ^_^

Atão esse astral, mais elevado? :)

Liliana

Ya, ela aqui parece que fica ainda mais centrada na sua melancolia e pensamentos. Oh wait, será o meu blog um convite à depressão então? :p

E sim, é muito normal termos uma relação com os nossos animais parecida com a que gostaríamos de ter com alguém, ou até como quando estamos com uma pessoa, já se nos forem muito próximos a maneira que lidamos com eles acaba por ser um reflexo da nossa maneira de ser a nível "verdadeiro". Nós não escondemos nada para os nossos animais, digamos assim. :)

O cérebro humano é um bichinho muito curioso. ;)

Por vezes penso que gostaria de o entender, mas mais vale deixa-lo ser assim, um mistério.

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Anna Molly
admin
07 abril, 2008 20:33 ×

Sim...comprei um espanta mau-astral!!!
É muito eficiente!!! E não foi caro!!!

Nós só escondemos o suficiente para não nos magoarem, por isso, é que para os nossos animais ou alguém muito especial somos verdadeiros. Quanto ás outras pessoas, penso que é uma forma de defesa que temos, delimitamos limites e barreiras, de forma a manter o nosso bem-estar!
Mas hey, quem sou eu? Sou gémeos, amanhã acordo e posso achar que isto que escrevi é treta!! LOL
***

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07 abril, 2008 20:43 ×

Acho muito bem, em relação ao espanta mau-astral. :p

Gemeos hein? Essas ondas associo mais aos balanças sinceramente, dos poucos que conheci, apesar de isto dos signos ser bue relativo. ;)

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Anna Molly
admin
07 abril, 2008 20:55 ×

sim, é muito relativo. Mas segundo li, nós somos muito, como explicar, inconstantes.
Se bem que isto dos signos ás vezes tem muito que se lhe diga.
:s

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07 abril, 2008 21:38 ×

Olhando bem para ela, acho que ela aqui sente-se em casa. Quase que a ouço dizer 'apetece-me apenas estar aqui, a olhar para ti.'

E pensa que nunca daqui deveria ter saído apesar de aqui nunca ter estado.
O que lhe deve custar mais deve ser mesmo andar a vaguear de um lado para o outro sem ter sítio certo onde estacionar...

O cérebro humano é um bicho. Pronto.. um bichinho como dizes. Não, um bicho mesmo!

E de signos nada sei..

**

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Anónimo
admin
08 abril, 2008 02:12 ×

Pois estou fascinada quer com o texto, quer com a ilustração. Belissimo!!!!
Posso fazer um arquivo destas vossas brincadeiras? Serão brincadeiras ou apenas um encontro de duas pessoas que completam os seus talentos...
desculpem não conheço a Liliana, mas adoro as ilustrações dela e o texto é perfeito.
Modesta opinião

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08 abril, 2008 10:01 ×

Soya, inconstantes? Nem sei, entre isso e o desiquilibrio dos balanças hmm hmm. :p

Liliana, "...andar a vaguear de um lado para o outro sem ter sítio certo onde estacionar..." muito bonito sim senhora. :)

Cremilde, muito obrigado e claro que sim. ^_^
Acho que também ainda não sabemos se isto serão apenas brincadeiras ou mais que isso, mas os sinais apontam cada vez mais para o último caso. ;)

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08 abril, 2008 15:31 ×

Olá Cremilde!

Deixa-me já agradecer-te o teu simpático elogio. :) Ehe.. a minha sorte é que não coro mas deduzo que o Azel tenha a amabilidade de ser solidário e de corar pelos dois.. sim. É justo. :p

Fora de brincadeiras, a verdade é que comentários como o teu, são muito bons de ouvir! :)

Estas brincadeiras ou algo mais do que isso, por enquanto têm me deixado assim com um sorriso simpático estampado no focinho, ups, queria dizer, cara. :p

Isto de conviver com gatos e um cão tem destas coisas.. e já estou a fugir ao tema, por isso vou me calar. :)

**

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08 abril, 2008 15:43 ×

Sorriso é mesmo a palavra certa. Se bem que neste momento devo estar com alguns olhos de soninho também. :p

Vou forçar-me a mim mesmo não "pensar" esta noite. ;)

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08 abril, 2008 16:47 ×

:)

Eheh.. pois não sei que tipo de olhinhos são esses. :p

Mas olha, tu coras pelos dois e eu durmo pelos dois. Que te parece? :p

Estou cheia de sono também.. tenho que ir desenhar uns putos com características assim e assado.. lembro-me que um tem que ter estilo de skater... oh céus! Não gosto nada deste tipo de trabalhados, mas ok, mãos à obra!

**

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08 abril, 2008 16:52 ×

Bah, e eu que curto tanto dormir (pelo menos quando isso acontece). ohhh vida crueellll. :p

Pois, é sempre mais chato quando temos de fazer algo com características muito específicas. +_+

Aiai, os meus tempos de skater, em que escrevia a giz na porta do sótão coisas como "skate não é crime", "sk8te or die", e afins... jesus.

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Anónimo
admin
08 abril, 2008 20:04 ×

Parabéns pelo excelente texto que publicaram no myspace dos BSL.

Os BSL começam a ser um ( bom ) caso complicado. Este "Mother" é mais um excelente tema.

Boas ondas se sentem aqui...

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08 abril, 2008 20:14 ×

Hi pedro e thx. :)

Essa cena dos BSL foi demais, porque não estava mesmo nada à espera do que fizeram.

Tou ansioso pelo segundo álbum, e eles parece estarem assim numa onda criativa muito boa mesmo, com tantas faixas excelentes a serem postas regularmente lá no myspace deles.

Esta "Mother" surpreendeu-me mesmo pela positiva. Acho que finalmente a voz do Kwasi encaixou de maneira perfeita na música, já que nos chameleons e outras faixas de BSL havia ali algo que não me parecia que funcionasse plenamente.

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