Trabalhadores não essenciais


Mãe! Mãe! Olha, um artista! Uma criança, radiante e entusiasmada, com os olhos a brilhar, aponta o dedo na minha direcção. Sorrio. Não é a primeira, segunda ou terceira vez, uma ocorrência ou interacção deste género protagonizada por crianças. E novamente reflicto sobre isto. De onde vem esta ideia de “artista” olhando para o meu aspecto? Ensina-se nas escolas? Em casa? E qual a razão de tal alegria para as crianças ao vislumbrarem alguém associado a essa ideia de estatuto social? E qual a altura da mudança, de alguém ser ou não artista passar de algo positivo para indiferente ou até visto como negativo na sociedade?

A frase do título desta publicação alude à forma como os nazis separavam as pessoas antes de as enviarem para os campos de concentração e extermínio, continuando a ser usada ainda hoje em contextos diferentes, mas não desprovida dessa singular ideia de utilidade. Alguns relatos passados contam-nos como um professor de História e Literatura, por exemplo, pertencia a essa categoria de trabalhador não essencial na hora de definir o seu destino. No momento actual vivido, é conhecida a forma e descaso como são tratadas certas profissões. Ou como as escolhas dos nossos percursos são observadas perante padrões semelhantes. É útil? Dá dinheiro? Tem valor para o mercado? Os artistas, então, são uns párias, não servem para nada.

Para onde fugiu o brilho dos olhos desta sociedade, outrora criança? E valeu a pena a transformação, ser útil?