Pergaminhos de ser


A rua é um manancial de oportunidades. O fôlego escapa, cada vulto uma história, uma narrativa de descoberta, de invenções que se querem o mais distantes possível da ciência. A chuva despe-te com tiques de prepotência. Mais do que as tuas roupas desligadas do corpo, sei agora que gostas de candeeiros com luz amarela, suave, fofa, de música que provoque sorrisos suficientes para convenceres outras pessoas a sentir o mesmo. Os teus dentes, eternamente leite, alcançam galáxias, o leite no meu leite, nuvens despedaçadas em refúgios de almofadas cinzentas. Sentes como é fácil, como é bonito e não linear o que escondem os cadernos das sinapses?

Este é o tempo de falar, de pensar diferente, de dizer palavras sem maiúsculas, de nos queimarmos nas chamas de brusquidão, de andar dentro do teu andar, os dedos a saírem dos buracos esquecidos nas peúgas com bonecos distraídos. Os sonhos imaculados nos sonhos que desconhecemos, em corridas de cadeiras com rodas enferrujadas que riscam o chão. Somos tudo porque essa é a vontade, copos meio-cheios não sabem a mar.

Os sons, distantes, circulam nos canais auditivos. Esquerda, direita, réstias de nuvens, navegamos em jangadas a oscilar nas marés dos livros, das páginas por escrever com caligrafia delicada e bêbada o suficiente para se ser poeta e hermético quando necessário. O medo está na insignificância de existir, na recusa em admitir a fraqueza dos membros arrancados nas cordas permeadas de nós. O toque, não é uma especiaria de ecrãs voláteis ou de ruídos diários, frágil, depende das estrelas para se orientar. Nem sequer é físico. É um enigma que não se quer resolvido porque a vida sem mistério é apenas cálculo e matemática. A lógica de uns é a resolução amórfica de outros. Brilhante de vazio, imenso de tudo, as pedras da calçada perderam as fronteiras, a batalha para a água e a caneta pede agora um repouso no bolso do casaco de veludo. Os guardanapos, timbrados com o cheiro a tinta, são nenúfares a dormitar em lagos nocturnos, perfumes de dactilografia. Pergaminhos de ser.

Nuno Almeida
Equívocos Primários

2014

Do respirar sem fôlego

Guardar [MP3, ZIP] Duração [42:35] Data: 14-10-2014

Playlist:
01. Astronauts - Flame Exchange
02. My TV is Dead - Just Another Day
03. Dream City Film Club - Because You Wanted It
04. PNDC&housework - Nothing In The Sky
05. hospital NEON - The Sailor
06. I Love You But I've Chosen Darkness - Fear Is On Our Side
07. Madrugada - We Are Go
08. Catherine Wheel - The Nude
09. Black Swan Lane - Lonely
10. Adorable - Breathless