Encontra-me

"São momentos como outros quaisquer, estes que nos enlouquecem, tiram do sério e nos fazem dançar pelo simples prazer de o fazer. Há quem os tenha em maior e menor número, assim como há quem se recuse a aceitá-los, afinal de contas isso está no nosso direito não é?

Decido ir até à cozinha um pouco, descascar umas batatas, observando com muita atenção as rodelas formadas pela superfície suave acastanhada que os movimentos da faca que empunho vão formando. Elas caiem e caiem, rebentando de maneira calma no chão ladrilhado como se ondas se tratassem. Nem sei porque o faço, já que ainda falta tanto para a hora do jantar, mas tudo o que traga um momento de paz é sempre bom.

Estou de pernas cruzadas, com o olhar no infinito e pensamento no cosmos, como se o meu cérebro fosse a via láctea e algures lá dentro os neurónios fossem um grupo de astronautas sedentos de Saber. O tempo não passa.

Entre a lucidez e a distracção dou comigo a aperceber-me que muitos dos meus dias são ocupados pela espera de te ver a atravessar a porta depois de mais um dia de trabalho. É uma rotina estranha, mas não consigo esconder um sorriso sempre que ouço o barulho familiar do elevador às horas certas, seguido dos passos e som que a chave a rodar emite. Talvez devesse ocupar o meu tempo com outras coisas, mas por agora isto chega-me penso, na mesma altura em que te debruças e me beijas carinhosamente como sempre o fazes. Mais logo iremos adormecer nos braços um do outro, trocar promessas e palavras doces, preparando-nos para o dia seguinte e, mais uma vez, isso chega-me penso.

Após cada manhã o ritual volta a dar de si, em que após me despedir de ti escolho uma música para me embriagar e danço, e danço, rodopio e rodopio, até a tontura se instalar e fazer-me estatelar no chão, na cama ou onde calhe. É nessas alturas que acordo um pouco e fico mais uma vez a olhar para o vazio por momentos. Sinto falta de algo, não sei de quê em concreto, mas sinto.

Acho que hoje não vou esperar por ti, como tal abro a porta para nunca mais a fechar, sem olhar para trás, e parto à minha procura. Se me amas faz então o mesmo, encontra-me."

Nuno Almeida, Lugares Comuns, 2008



4 comentar

Click here for comentar
Sofia
admin
07 agosto, 2008 01:06 ×

Poderosíssimo o tema dos Electric President, arrepia!

O txt está muito bem resolvido, isso do 'um' ficar à espera do 'outro' tem muito que se lhe diga, além de ser pouco saudável e raramente acabar bem... mas escreveste uma história com um final feliz :) e alguns momentos belos ;)
§

Reply
avatar
07 agosto, 2008 09:42 ×

Thx heheh. :) E ya, este até nem é negro penso. :p

Quanto à música, completamente, e algo me diz que irão aparecer mais por aqui em "breve" de arrepiar, tal o impacto de algumas coisas que me vi a descobrir por acaso nestes dias, à mistura com memórias de outras. Tou com uma overdose de sensações. ;)

Reply
avatar
Lucia
admin
09 agosto, 2008 13:28 ×

hmm creio que a questão não está tanto no 'encontrar', mas sim o que está para além disso e além da rotina da 'encontro'. :-P

Reply
avatar