Rotinas - Part II

“São três da manhã, dois corpos encontram-se numa cama, envoltos levemente pelos lençóis, enquanto algumas partes destapam os seus corpos nus. São estranhos um para o outro, mais uma noite de engate fácil que termina da forma habitual. Apesar de tudo são carinhosos um com o outro, no meio daquele frenesim típico em que a libido toma conta das suas mentes e tudo o resto parece não importar naqueles minutos.

Já não é a primeira vez que se encontram assim, ao fim de uma noite. Nesse campo não são nada estranhos um para o outro, usando os corpos de cada um para escape momentâneo, quando não aparece mais nada entretanto. Estão tão perdidos naquele esquema que já não interessa, é apenas mais uma noite, mais uma troca eventual de fluidos, fumar um cigarro, comer algo e cair pró lado entretanto.

Um deles acorda com um miar, apercebendo-se que não é familiar, o que lhe diz que esta foi outra noite que não dormiu em casa. Olha para o outro corpo estendido na cama, esboça um sorriso e vai dar uma volta até à cozinha.

“como te chamas bichano?”
“rrrraaaaauuurrr”

O animal prossegue encostando a cabeça no meu corpo, enquanto recebe com satisfação mais umas festinhas na cabeça.

À medida que vislumbro os primeiros raios de sol dou comigo a ponderar que não só não sei o nome daquele animal, como também o da sua dona. Tem havido sempre um silêncio nestes encontros fortuitos, não são precisos nomes nem preocupações desnecessárias. Ambos sabemos o que queremos, e nomes não são de certeza.

Passam-se algumas horas, enquanto folheio revistas de publicidade e outros bocados de papel que servem apenas para passar o tempo e nada mais, enquanto espero que a outra pessoa acorde, afinal de contas, há que sermos no mínimo educados e não sair apenas porta fora.

Mais uns minutos e finalmente ela chega, de olhos remelados, voz dócil e bastante querida, à medida que se aproxima da minha fronte e me dá um beijo carinhoso, sem mácula. Aquecemos umas torradas, esboçamos uns sorrisos mútuos, mas mais uma vez não trocamos palavras durante estes interlúdios. Para quê no fundo.

Ambos limpamos a boca cuidadosamente, passando os guardanapos pelos nossos lábios com movimentos firmes e certos, e depois de mais uma noite de corpos suados, da energia das hormonas e do momento, dissemos adeus..."

Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos


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16 comentar

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01 abril, 2008 00:30 ×

[.. .. .. ] Estive montes de tempo a pensar nestes teus posts... a pensar neles e no que haveria de dizer.

Ouvi as músicas todas. Ficaram a tocar enquanto pensava nisso, no post da Ana, no post da amiga da Soya...

.. está bonito.
E está directo, como o som de um copo de vidro a partir-se no chão.

Eu hoje é que estou meio.. não sei..

**

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01 abril, 2008 00:41 ×

Ou tu ou nós. Sinceramente já nem sei. Parece ter calhado a nossa lua ter virado para este lado.

Adorei a tua frase "E está directo, como o som de um copo de vidro a partir-se no chão". :)

São fases, tanto da nossa parte como da tua. Muitas vezes ficamos só a pensar e nem conseguimos dizer nada, ou fazer nada. Momentos de ficar a olhar simplesmente pro tecto como costumo dizer. ;)

Obrigada mais uma vez. Não só pelos comments e presença, como pela inspiração, que juntamente com todas as outras pessoas que parecem estar a "juntar-se" entre si, formando um núcleo criativo (e não só), levam-me a combater a tentação da preguiça e de não deitar as coisas cá pra fora. :)

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01 abril, 2008 01:08 ×

Pois.. é como dizes, devem ser fases de ambas as partes.

Há alturas em que não consigo mesmo comentar certo tipo de coisas que leio o que não quer dizer que não tenha muito para dizer sobre elas... mas não sei... fico semi bloqueada.

São temas que nos fazem pensar em muita coisa e depois olha...
Mas penso nisso, então não penso...

E hoje não te vou cobrar nenhuma capirinha por esse teu agradecimento, apesar de achar que não se justifica mas compreendo que sintas que sim e então ok, eu vou apenas dizer 'de nada'.
Percebeste? Ai isto hoje... :p

Estou estranha hoje. Mas estou bem disposta. Vou pôr os Arcade Fire a tocar. Ai que noite tão loooooonga..

**

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01 abril, 2008 01:15 ×

Deve ser da Primavera isto ahahah. :p

Ao menos, apesar de "estranhos", tamos bem dispostos por aqui, e isso é que interessa. ;)

Já estou mesmo a ver, um dia o pessoal encontra-se, e ainda calha dizer algo "esta pago eu, por causa de texto x". :p

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01 abril, 2008 04:12 ×

Deve ser da Primavera deve... :)

Mas sim, mal disposta mal disposta não estou. Eheh..
Estou mais numa de observar o que os outros fazem e dizem...

E essa de andarmos a oferecer copos quando nos encontrarmos é bem capaz de acontecer é!
A minha conta já vai bem alta!
:p :p :p

**

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01 abril, 2008 09:54 ×

Muitas vezes tb fico assim, apenas a observar e a absorver as informações.

e ya, só à pala das nossas contas fica logo tudo de bezana. :p

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Sofia
admin
02 abril, 2008 16:21 ×

Olá,
Estou a tentar descobrir como é que mostro o "nick" no comentário, nos últimos 2 não fui capaz e foram anónimos. Será que é desta?
Falta-me tempo para tanta coisa e também para descobrir como é que isto funciona...
Viciei-me no teu blog, tanta música nova para descobrir.
Também me assalta uma sensação nova, a de voyeuse, mas com o tempo e a vossa simpatia ela há-de acabar.
Até breve,
§

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02 abril, 2008 16:32 ×

Olá Sofia, e bem vinda. :)

Isto com o tempo uma pessoa habitua-se a estas coisas da internet, apesar de no blogger nem sempre ser fácil registar o nick consoante os settings de cada blog, que pedem sempre algumas coisas antes dos posts, nem que seja a password. +_+

Obrigada pelas palavras e fico contente por estares a gostar. Adorei o pormenor da "voyeuse" ahah. Mas sim, volta sempre e comenta, que isto de partilharmos opiniões, ideias e afins, é tão viciante como fixe. :)

Agora que falas em música, ver se faço algo relacionado com isso aqui novamente, já que isto ultimamente tem andado um pouco focado na escrita.

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Unknown
admin
02 abril, 2008 19:00 ×

Da minha parte também quero agradecer esta troca de ideias e incentivos à inspiração e criatividade. Este texto está brutal, adorei! Qualquer dia temos que nos reunir, beber uns copos e falar de peitos. O Gonçalo depois tem que ir também, já que ele é que é o expert neste assunto tão delicado.

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Unknown
admin
02 abril, 2008 19:05 ×

Olha lá, mas o Nuno Almeida és tu?

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02 abril, 2008 20:15 ×

thx, apesar do tema lidar com as tais relações destructivas heheh. *assobia*. ;)

No fds passado eu era para ir ter com vocês no Sábado, mas certas coisas como a taxa da condução obrigaram-me a adiar essa ida a Leiria/Santarém para mais tarde. Mas algo me diz que não irá demorar muito esta reunião de pessoas a nível pessoal. :p

Promete ser um acontecimento no mínimo curioso, tendo em conta a energia das pessoas, e yep, podemos continuar depois a conversa de peitos why not, já que também é um assunto bastante interessante. Com isso até me deste ideias para um texto de contornos hmm, mais eróticos ahahah. :p

E ps: yep, o Nuno Almeida sou eu. Nisto de textos tenho decidido assinar sempre com o meu nome. ;)

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Violet
admin
02 abril, 2008 21:17 ×

muito bom este texto e genialmente cru, embora pareça bem mais o relato de um caso real do que um excerto de pensamentos.
"Ambos sabemos o que queremos, e nomes não são de certeza." - Brutal! Adorei a simplicidade com que se pode resumir a não intimidade.
Tres bien :x

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02 abril, 2008 21:51 ×

Obrigada mais uma vez. :)

A cena destes textos, e a maior parte que estou a englobar nisto dos "Lugares Comuns", é que apesar de poderem ter ou não inspirações em casos reais, muitas vezes sinto que são tão familiares que podem bem ser a história de algumas pessoas.

Estes dois tinha algumas palavras na cabeça e ideias há algum tempo, desde que vi a série Californication, que apesar de não ir a certos extremos como do texto, levou-me a ponderar noutros casos, os de pessoal que só sai para estas coisas, juntando depois as várias ideias na minha cabeça.

Ao mesmo tempo, após ler isto, noto algumas semelhanças com casos de pessoal que conheço, o que ainda se torna mais weird.

Fixe que o achas crú, porque o tema acaba por adequar-se a isso penso. Não é que tenha feito de propósito, mas foi o que saiu deste improviso. ;)

Mas deixa lá que teus textos também, são de uma brutalidade as expressões e maneira como descrevem situações, que até arrepia. +_+ E sim, eu gosto disso, e muito. :p

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02 abril, 2008 22:03 ×

AHAHAH! Ó Ana só tu... ahahah!
:p :p
Ai que moca... Sim, havemos de nos encontrar todos. Aquilo é que vai ser animação. :p

Este teu texto está muito bonito Azel.

Na altura não o comentei e 'disse-te' o porquê, mas ele está como tudo o que nos tens vindo a mostrar: deixa-nos a pensar, a imaginar situações, a tentar descodificar onde está a parte fictícia, a parte 'real'..

Talvez por estar tão directo e forte em certos aspectos é que juntando ao estado em que me encontrava... bloqueiei.

Por um lado até é bom. É sinal que algo passou para este lado.. e com os teus textos, até agora, têm passado sempre. ;)

**

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02 abril, 2008 22:04 ×

* bloqueei

* tem passado...

urff... não ligues.. :D

**

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02 abril, 2008 22:25 ×

thx. :)

É mútuo, as tuas ilustrações têm-me levado a muitos lados também, mentalmente claro. :p

Em relação ao texto, e pegando na palavra da violet, de estar crú, e nas tuas, quem sabe isto seja uma espécie de beleza muito crua. ;)

E com isto tudo, o media player resolveu meter do nada uma faixa da Amelie a tocar. Arggh, melancolia total logo, é tiro e queda.

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