"Histórias em Cellophane" e "Moléculas": Livros no prelo


Absorvo as últimas horas de luz no terraço. O céu, há dois dias, esteve particularmente cinzento mas há um sorriso genuíno que teima em não desaparecer. Anteontem acabou oficialmente a campanha de crowdfunding que visava a publicação de dois livros de prosa poética da minha autoria e dei por mim a digerir, de modo contínuo e a olhar para cima, o sucesso enorme desta iniciativa. O imenso apoio apanhou-nos de surpresa de forma positiva e acabou por imbuir todo o projecto de um espírito de comunidade raro nos tempos que correm.


O processo, que ainda não terminou, é quase uma anomalia perante as leis do mercado. O objectivo principal, de partilha entre todos, a meta estar na impressão dos 100 exemplares de cada livro e das restantes recompensas, não no lucro, acrescentar ainda mais recompensas quando o valor requisitado foi ultrapassado, a independência de toda a iniciativa e com um foco directo na relação entre autor e potenciais leitores, alheia a interesses obscuros, a pressões externas, a guerras, a polémicas, sem qualquer interesse que não o de tentar partilhar algo bonito com o Outro. E claro está, o projecto ter sido concebido e realizado por crowdfunding (financiamento colectivo).

Os pormenores e trabalho na sombra podem ser esmagadores num projecto deste género em que quase tudo depende só de nós por isso um bom planeamento é essencial.
Apesar de a iniciativa nos remeter para uma mistura entre a edição de autor e alguns elementos característicos da micro edição que normalmente associamos a pequenas editoras, a maneira como encarámos isto desde início extravasou rapidamente essa filosofia. Isto acabou por acontecer não só por ter existido um largo período de tempo a investigar e a observar mercados, a sentir o pulsar das ideias, a preparar o terreno, a procurar orçamentos, como por experiências profissionais passadas, em particular o período em que vivíamos e trabalhávamos em Budapeste. Aqui, um dos focos do nosso trabalho era a realização de eventos culturais de dimensões consideráveis e apoiados por inúmeros elementos que os ajudavam a promover ou a que o todo pudesse oferecer o mais possível ao público. É por essa razão que invés de apenas um livro, como seria mais habitual, temos dois, ou que a abordagem gráfica de ambos é substancialmente diferente no miolo. É também por isso que temos marcadores de livros, o que normalmente se vê é em edições ou entidades de outra dimensão, postais, impressões fotográficas, podcasts que ajudam a promover bandas e convidam o público a viajar com os livros e a música. Vídeos com leitura de textos e com uma direcção específica, séria, poética, a vertente promocional, a descrição extensa da campanha e das respectivas recompensas, inspirado por algumas campanhas internacionais de outras dimensões, a descrição dos materiais utilizados... Enfim.


Neste momento, estamos na fase de produção e já encetei esforços nesse sentido como estava planeado. As entidades que irão produzir todos os materiais já foram contactadas, os registos dos CTT começam a ser preenchidos, os envelopes aguardam pacientemente. Os pormenores e trabalho na sombra podem ser esmagadores num projecto deste género em que quase tudo depende só de nós por isso um bom planeamento é essencial. Se acrescentarmos a isto todo o esforço e criatividade necessários também à produção dos conteúdos em si, começa-se a perceber ainda mais que abraçarmos uma iniciativa deste género não é linear e algo que se faça de ânimo leve. Matéria para uma apresentação sobre este projecto? Talvez.


Falemos agora de outro tipo de pormenores, desta feita relacionados directamente com os livros e sem revelar demasiado para não estragar a surpresa. Com o decurso do projecto, várias componentes sofreram, com naturalidade, melhorias e alterações em relação ao que se foi mostrando. O papel, a legibilidade das fontes, as margens, os próprios textos, as ilustrações, os marcadores…, até chegar a altura em que temos de deixar partir a obra de vez e ela passar à etapa seguinte, os leitores. Por vezes não é fácil largar uma obra e se não existir um autocontrole a tendência é a de querermos sempre alterar mais alguma coisa.

Certas características, à medida que relia e relia, fizeram-me sorrir como por exemplo a ligação de textos entre ambos os livros, ou a ligação ao blogue que já era possível de observar nas imagens promocionais, seja num título ou numa fotografia que surgiram anteriormente em publicações neste espaço mas sem os textos. Isto já era esperado visto que o anunciei há alguns meses. Outra particularidade, neste caso relacionada com o livro Moléculas, é que mantém a característica de conter 16 textos inéditos, mas com o total de textos a ser 17 devido à presença de um texto específico que já apareceu no blogue (com ligeiras alterações) e cujo título dava para perceber numa ou outra das imagens promocionais da campanha. É uma tendência recorrente esta, a de deixar pistas espalhadas, mas no final ficará para vocês descobrir tudo e até facetas de que nem eu me apercebi, quem sabe, sendo essa uma das razões para não revelar também nada por agora das versões finais dos livros, dos marcadores, da impressão fotográfica 15x20 que irão receber ou das bandas que integram os dois podcasts inéditos, por exemplo.


Resta-me deixar aqui novamente um agradecimento especial, um muito muito obrigado a todas as pessoas que apoiaram e contribuíram, a quem tornou este projecto uma realidade. E também à Patrícia, como sempre, pelo suporte omnipresente e trabalho na sombra. 37 exemplares de cada livro encontraram uma casa durante esta campanha, sobram apenas 63. Podem contar com mais actualizações nos próximos dias à medida que as impressões, materiais e todo o processo evoluírem até chegar à etapa final, o envio das encomendas e encontros ao vivo para desfrutarem destas coisas bonitas.