Memento Mori: The Dead Among Us

O momento da morte, um livro que engana, que tem tudo para ser apenas um objecto macabro e mórbido se analisado de forma superficial, mas que se transforma em lirismo e poesia visual quando o temos nas mãos. Prenda de aniversário tardia devido às vicissitudes de a conseguirmos adquirir, esta obra é um dos objectos mais estranhos e fascinantes que já tivemos o prazer de folhear. O primeiro impacto começa logo na capa, que nos impulsiona a cheirá-la compulsivamente e a tocá-la. Sim, tenho noção que isto soa estranho e suspeito. O acabamento em tecido, o relevo, o grafismo, o feitiço é poderoso. Nada cheira assim.


Este livro, da autoria de Paul Koudounaris e publicado este ano pela Thames & Hudson, é uma pequena janela para um estranho mundo. Nele embarcamos numa jornada até locais sagrados e tradições, em que o centro das atenções são os nossos restos mortais e onde a condição humana é exibida na sua plenitude para os vivos. Cada cultura encara a morte de uma maneira diferente e percebemos que antigamente o Ocidente enfrentava este assunto com mais naturalidade e não como uma realidade tabu, como algo que deve ser escondido da sociedade, que incomoda.


As fotografias, maioritariamente a cores, são fantásticas e ascendem às cinco centenas. Os comentários antes de cada capítulo e as informações em determinadas secções são igualmente preciosas e fundamentais, assim como a introdução e ensaios de abertura do livro, que nos dão um contexto sobre o que estamos a observar. Um bom conhecimento da língua inglesa é um requerimento aconselhável para desfrutar dos textos.

De uma beleza que nos desarma e esmaga, mostra-nos a relação próxima entre a vida e a morte de maneira inesperada, uma abordagem natural que descarta noções convencionais.
Ossuários (a nossa Capela dos Ossos, em Évora, figura neste livro), caves funerárias, caveiras com decorações e que são levadas a passear com uma normalidade que nos desampara, em que a estranha obsessão de lhes colocarem cigarros ou óculos escuros nos ultrapassa, restos mortais que são tratados como família, múmias de monges (católicos e budistas), memoriais dedicados aos genocídios no Ruanda ou Camboja, esqueletos repletos de ouro e pedras preciosas que se transformam num festival opulento que desafia convenções. São fotografias e informações recolhidas em mais de 250 locais ao longo de dez anos, em trinta países espalhados pelo globo. Um trabalho de investigação enorme que foge ao óbvio (Antigo Egipto) e que culmina neste que é o terceiro livro do autor sobre esta matéria. Os dois primeiros, The Empire of Death e Heavenly Bodies, são mais específicos no seu estudo e focam-se, respectivamente, no tema dos ossuários e na história dos esqueletos das catacumbas de Roma decorados com jóias.


O teor do assunto, assim como o volume de informação, pede-nos uma disposição particular e pausas ocasionais para respirar. Por muito que o livro em si exerça um fascínio sobre nós por ser tão belo e único (até inclui uma fotografia extraordinária de um cadáver que se desdobra para fora em 4 folhas que afronta qualquer descrição), há que dizer também que o conteúdo é tratado com sensibilidade, admiração e respeito, com o resultado final a cruzar as fronteiras entre o artístico, o académico e o informativo.


Memento Mori: The Dead Among Us é um livro original que intriga, que inspira conversas e discussões, que nos oferece uma oportunidade rara de olhar para o desconhecido. De uma beleza que nos desarma e esmaga, mostra-nos a relação próxima entre a vida e a morte de maneira inesperada, uma abordagem natural que descarta noções convencionais. Uma celebraçao do que nos torna humanos. Para quem for minimamente curioso, ou tiver interesse em História, Cultura, Fotografia, Religião, Antropologia, Sociologia ou Arqueologia, este livro é obrigatório. Adquiri-lo em Portugal pode-se revelar difícil por enquanto, ou até encontrar quem o venda por importação para o nosso país, mas via Amazon podem consegui-lo através de alguns vendedores localizados no Estados Unidos. Pode demorar cerca de 3 semanas a chegar e existe sempre o risco de ficar retido na alfândega, mas vale a pena.

Fotografias: Paul Koudounaris/Thames & Hudson