BBC Life Story: Arritmias cardíacas


Sugestões. Para ler, ouvir e ver. Para sentir. Por vezes perguntam-nos directamente, noutras a iniciativa é espontânea. Quando aconselhamos ao olhar um documentário relacionado com a natureza, a reacção posterior consegue ser, em certos casos, de surpresa.


Parece existir um certo estigma associado a este tipo de conteúdos nos dias de hoje, de memórias difusas em que se assistia a transmissões nos canais de televisão na hora do almoço e que teima em não desaparecer. “Ah aqueles programas que davam na hora x”, dizem-nos, com uma relativa falta de interesse. E com o tempo acabamos por perceber, também, que uma boa fatia de público não faz ideia de como este tipo de documentários evoluiu, a todos os níveis, ao longo dos anos. Neste campo, as produções da BBC estão, de longe, na linha da frente. E este Life Story afirma-se como um dos melhores documentários de animais que já tivemos o prazer de ver.


Filmada com câmaras de ultra resolução (4K), Life Story é uma série de televisão de 2014, dividida em seis partes, cada uma relacionada com uma das etapas da vida de várias espécies. Narrada pelo carismático David Attenborough, que bem podemos considerar como um avô querido que adoptámos tendo em conta os largos anos que leva nestas coisas, esta nova produção vive muito da sua voz (nem a conseguimos imaginar sem ele), das narrativas que nos conta e, claro está, das situações que nos mostram e soberba qualidade técnica de toda a obra.


Nó na garganta, dificuldade em respirar, o peito aperta. Estas sensações assaltam-nos após poucos minutos. O drama dos Gansos-de-faces-brancas (Branta leucopsis) na Gronelândia, que nidificam a muitos metros de altura, isolados em montanhas onde nada devia existir, ameaça levar a melhor sobre nós. Para que as crias possam comer, terão de seguir os pais até ao solo pouco tempo depois de nascerem, o que implica atirarem-se atrás deles em queda livre. As imagens, a música, o momento, a câmara-lenta, os corpos a cair a dada altura aos tombos nas rochas. Sim, uma boa parte sobrevive. Isto é impróprio para cardíacos e ficamos juntinhos a torcer por eles. E o episódio ainda mal começou. Quando finalmente conseguimos soltar os pulmões, outra sequência memorável, quase alienígena, toma-nos de assalto, com crias de louva-a-deus orquídea (Hymenopus coronatus). Mas como é que estas pessoas filmaram isto e desta forma, são perguntas frequentes ao longo de todos os episódios. Para responder a isso, como já começa a ser habitual nestas produções da BBC, os últimos 10 minutos de cada capítulo mostram-nos os desafios da equipa para tentar filmar uma das sequências.

não há palavras suficientes, ou que façam justiça, para o que se pode ver e sentir nesta obra.
Descrever o que se passa, o que sentimos, durante as seis horas de Life Story é, claramente, impossível. Há espaço para ternura, para humor, drama, muito drama, romance. Ficamos embevecidos, assustados, necessitamos de pausas. A música, conduzida e tocada por duas orquestras, nomeadamente a BBC National Orchestra of Wales e a The London Session Orchestra, tem uma boa quota de responsabilidade pelo que sentimos ao longo dos episódios. Dinâmica, é capaz de criar tensão e sorrisos consoante as situações. Há espaço para tudo, até para um tango entre aranhas num ritual bizarro de acasalamento. Mas é nas filmagens que reside o culminar de todo um trabalho e processo monumental.


Como é que ainda nos conseguem mostrar coisas novas após tantos anos chega a ser um mistério. Fazerem-no na forma que podemos observar nesta produção, ainda mais. É notória a experiência e a sensibilidade de quem filmou e editou, uma outra maneira de pensar e ver. Dizer que cada episódio se assemelha a um filme chega a ser redutor. Os pormenores abundam, os planos que nos tiram o fôlego, as danças surreais de pássaros multicolores, a luta épica dos cangurus, o foco nos rostos dos rivais antes de confrontos, o abrandar da acção no momento certo, as caçadas épicas, os insectos e peixes minúsculos que parecem gigantes ao serem filmados de tão perto, a cumplicidade dos casais e das famílias, o cuidado especial a lidar com as mortes de animais, que raramente aparecem em tempo real na câmara, ou de forma leviana e gratuita. Podia estar aqui horas e horas a falar de Life Story sem me cansar, mas o melhor é mesmo desfrutarem por vocês caso ainda não o tenham feito. Até porque não há palavras suficientes, ou que façam justiça, para o que se pode ver e sentir nesta obra.