Fernando Pinto do Amaral - A Escada de Jacob (Assírio & Alvim, 1993)
“Levava o copo aos lábios sem notar
como essa cor se repetia sempre
até ao paraíso. Ia deixar
aceso o meu cigarro, uma secreta
fantasia guiando o coração
por fatigadas sombras e caminhos.
Cada mágoa retém alguma luz
e mesmo um fio de versos que regressa
não desce como desce o fim da tarde.”
(in “Piz Corvatsch”, p. 101)
“Levava o copo aos lábios sem notar
como essa cor se repetia sempre
até ao paraíso. Ia deixar
aceso o meu cigarro, uma secreta
fantasia guiando o coração
por fatigadas sombras e caminhos.
Cada mágoa retém alguma luz
e mesmo um fio de versos que regressa
não desce como desce o fim da tarde.”
(in “Piz Corvatsch”, p. 101)
Editado em 1993, A Escada de Jacob foi o segundo livro de poesia de Fernando Pinto do Amaral, figura importante da Literatura Portuguesa pelo seu longo percurso como professor, tradutor, ensaísta e poeta (entre outros), assim como pelo cargo de Comissário do Plano Nacional de Leitura que exerce desde 2009.
A par de Esta Coisa Quase-Vida, de Manuela Amaral, A Escada de Jacob foi um dos primeiros livros de poesia que me lembro de ter comprado e fruto de um período exploratório quase inocente, em que a próxima descoberta para os sentidos podia espreitar a qualquer momento. Não que actualmente isso tenha mudado de forma significativa diga-se, apenas alarguei o espectro de áreas que me interessam e movem, consideravelmente, assim como a bagagem de conhecimento.
Para quem ainda não estiver familiarizado com algumas das filosofias e abordagens deste blogue, interessa-me pouco análises fastidiosas, dissertações ou, neste caso, exercícios exaustivos em que se desmontam poemas e a própria poesia. Interessa-me sim se ela me diz algo, se me toca cá dentro, se os olhos brilham de torpor, de melancolia, de exaltação ou do que quer que seja, se faz com que surjam sorrisos que se apresentam tímidos mas presentes. Poesia é sentir, é impregnar o nosso mundo de variáveis difusas, é atribuir cor onde ela nem sempre existe. E, inúmeras vezes, é guardar para nós as palavras.
"Exausta, a tempestade: o céu devora
fantasmas dos meus sonhos que se afogam
na penumbra da noite. Sob as pálpebras
a desfocada luz,
os húmidos reflexos e lá fora
o amortecido ritmo da chuva
nublando ainda as horas, as muralhas
do caos que me sufoca. Na poalha
de tanta água brilha
o passado nos rostos que me olham."
(in "2." ("Até Chegar O Dia"), p. 96)
Dividido em cinco partes, cada uma com um número diferente de poemas, o livro apresenta também no início (e antes de cada capítulo) algumas citações em diferentes línguas (Francês, Português, Inglês, Alemão...), de fontes tão díspares como Jean-Jacques Rousseau, Emily Dickinson, Maria Gabriela Llansol, Cole Porter, Yves Bonnefoy ou Hugo von Hofmannsthal. O conteúdo é muito vivencial, sentido e descrito na primeira pessoa, com o autor a questionar-se a si próprio em várias ocasiões, ou a descrever encontros e sensações dirigidos de forma directa a outras pessoas. As referências ao céu e à luz, entre outras, são uma constante, assim como passagens ocasionais de alusões espaciais próximas a cidades como Lisboa (o Frágil, o Bairro Alto...), ou ainda a outros autores. É um livro que comunica consigo mesmo e não com o exterior, uma janela por onde os leitores poderão espreitar para o que ia na alma do autor na altura em que o escreveu. Isso acaba por tornar esta obra algo presa ao seu tempo, a uma certa ingenuidade que pode não sobreviver da melhor forma ao passar dos anos e após o contacto com mais obras. Sempre o chato do Conhecimento portanto, e eu próprio confesso que este é um livro a que estou ligado por uma óbvia carga nostálgica.
Para adquirirem o livro, podem tentar em alfarrabistas ou em páginas online com um foco em leilões como o OLX, por exemplo.
--//--
Afonso Cruz - Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal, 2009 / Alfaguara, 2012-)
Afonso Cruz é um dos mais interessantes escritores portugueses contemporâneos. Com um volume de obras já considerável e que teimam a sair a um ritmo que nem sempre é fácil de acompanhar, é um autor que se multiplica por vários géneros literários. Esta Enciclopédia da Estória Universal consiste num conjunto de livros muito particular, em que se promete uma nova obra (ou entrada, para usar um termo mais... enciclopédico) a cada ano. E assim tem sido desde 2012, se desconsiderarmos o primeiro volume publicado em 2009 pela Quetzal, que está há muito esgotado. Nesse sentido, deixo aqui o apelo e um pré-agradecimento a quem nos conseguir encontrar o referido volume.
"Não sei se fui um bom filósofo, mas fui com certeza o mais feio. Agrada-me a possibilidade de me libertar desta comédia que é o meu corpo. Poderei então filosofar livremente, sem dores de costas, e tornar-me-ei um homem abstracto, transformar-me-ei nas minhas ideias. E quando uma pessoa tentar conhecer-se a si mesma, essa pessoa serei eu. E sempre que alguém compreenda o tamanho da sua ignorância, essa pessoa serei eu."
(excerto da entrada "Liberdade de Expressão", atribuída a Platão, A Apologia de Sócrates, in Enciclopédia da Estória Universal: Recolha de Alexandria, p. 70)
Uma Enciclopédia fictícia, com entradas por ordem alfabética, em que cada uma é composta por narrativas de teor diverso apresentadas como factos históricos, mas com quase tudo a ser manifestamente falso ou, digamos assim, ficcional. Desde as referências bibliográficas no final de cada livro, aos supostos autores e personagens dos textos de cada entrada, que chegam a aparecer de forma recorrente em várias páginas (ou até em outras obras do autor) citadas por outros autores, o todo é um labirinto difícil de descortinar. Pelo meio, referências a entidades, autores, filósofos e religiões reais (entre muito mais), que só ajudam a baralhar a percepção do que estamos a ler e do que é verdadeiro ou falso. Isto diz-nos, também, que estas obras não são para o leitor comum, mas sim para quem já leu muito (ou tem curiosidade em saber mais sobre tudo o que o autor refere), de múltiplas áreas de conhecimento, caso contrário podem não conseguir desfrutar do livro da melhor maneira. Engane-se pois quem pensa que isto se lê ocasionalmente, em espaços de 15 minutos ou em meia hora, pelo contrário, estes livros pedem-nos que desaceleremos o ritmo dos dias.
"O pianista Erik Gould, nos anos em que viveu em França, costumava colocar cartas de amor dentro de garrafas e atirava-as ao mar. Ao fazê-lo, não tinha mais esperanças do que um náufrago numa ilha deserta. Gould dizia que o amor é assim, como a poesia, uma tentativa de salvação com poucas probabilidades de, um dia, chegar a alguém."
(excerto da entrada "Percurso: corrente de Gould-Rebecca", in Enciclopédia da Estória Universal: Mar, p. 131)
Divagações, pequenos contos, múltiplas metáforas, inúmeros aforismos. A premissa destas Enciclopédias é curiosa, mas não necessariamente original no conceito, com influências de Jorge Luis Borges e, em particular, de Milorad Pavić se pensarmos nas semelhanças conceptuais com a obra Dicionário Khazar.
Enciclopédia da Estória Universal é um exercício literário e imaginativo prodigioso, que tenta mostrar-nos formas diferentes de olhar para o mundo, mas há que dizer que o equilíbrio nos conteúdos nem sempre é o melhor, o que leva a uma variação qualitativa consoante os volumes e até dentro dos mesmos. A destacar também o bonito design das capas das edições na Alfaguara, que se estende para o interior e paginação, com pormenores deliciosos como as próprias lombadas de cada livro formarem um desenho que se vai revelando aos poucos à medida que as juntamos uma a uma.
Volumes editados até ao momento:
1|Enciclopédia da Estória Universal (2009) | 136pp.
2|Recolha de Alexandria (2012) |112pp.
3|Arquivos de Dresner (2013) |106pp.
4|Mar (2014) | 186pp.
5|As Reencarnações De Pitágoras (2015) | 120pp.
6|Mil Anos de Esquecimento (2016) | 216pp.
Com excepção do primeiro livro publicado na Quetzal, os restantes são relativamente fáceis de encontrar.
--//--
Daniel da Rocha Leite - Ave Eva (Instituto de Artes do Pará, 2012)
Daniel da Rocha Leite é um escritor brasileiro com um já largo número de obras publicadas entre poesia, romance, infanto-juvenil, crónica e contos, mas ainda bastante desconhecido do público português apesar de ser um dos autores contemporâneos da Literatura do Pará que mais prémios literários tem conquistado. Ave Eva (prémio Instituto de Artes do Pará) é um conjunto de vários contos em que a escrita assume uma sensibilidade latente a cada frase, uma das características do autor.
"Havia esse encontro marcado. Ela veio andando bem devagar. Em suas mãos quase transparentes, veias verdes correndo uma vida inteira, ela segurava um molho de chaves, que fez um barulho que me trouxe lembranças da casa de uma tia na qual passávamos os meses de julho. A vida tem os seus sons e enigmas – pensei. Rapidamente, ela livrou-se dos três cadeados."
(in Ave Eva, conto "Sobrenomes", p. 61)
O amor, a mulher, a água, personagens delicadas. Alguns temas são recorrentes nestas narrativas curtas, assim como curtas o são certas frases e parágrafos, pausas que nos remetem para o ritmo de poemas, para momentos que intercalam introspecção e instantes descritivos fugidios em que se fundem géneros literários. As narrativas são precisas, com memórias de negro, de mortes e separações em alguns casos, mas com muita luz e esperança no final, um celebrar a vida que é outra das particularidades deste autor.
"(...) Ela sabia disso, desse pequeno detalhe, quando veio em um uniforme azul, lábios suaves, luminosos cílios negros, calma voz e cabelos presos em um coque. Foi a primeira vez que vi, assim, os cabelos de uma mulher. Presos em uma renda. Dentro de um coque. Como em um ninho de passarinho. Coque, que até hoje ainda possui, para mim, vários segredos de uma mulher quando ela – mãos e dedos dentro dos fios – solta os cabelos e eu, finalmente, posso compreender alguma coisa."
(in Ave Eva, conto "nado sincronizado", p. 39)
Pequenas histórias que exploram âmbitos femininos. Adquirir Ave Eva pode ser complicado, vulgo impossível, sem recorrer à importação via internet ou encomendando directamente ao autor. Neste último caso, poderei facilitar o contacto a quem estiver interessado.
A par de Esta Coisa Quase-Vida, de Manuela Amaral, A Escada de Jacob foi um dos primeiros livros de poesia que me lembro de ter comprado e fruto de um período exploratório quase inocente, em que a próxima descoberta para os sentidos podia espreitar a qualquer momento. Não que actualmente isso tenha mudado de forma significativa diga-se, apenas alarguei o espectro de áreas que me interessam e movem, consideravelmente, assim como a bagagem de conhecimento.
Para quem ainda não estiver familiarizado com algumas das filosofias e abordagens deste blogue, interessa-me pouco análises fastidiosas, dissertações ou, neste caso, exercícios exaustivos em que se desmontam poemas e a própria poesia. Interessa-me sim se ela me diz algo, se me toca cá dentro, se os olhos brilham de torpor, de melancolia, de exaltação ou do que quer que seja, se faz com que surjam sorrisos que se apresentam tímidos mas presentes. Poesia é sentir, é impregnar o nosso mundo de variáveis difusas, é atribuir cor onde ela nem sempre existe. E, inúmeras vezes, é guardar para nós as palavras.
"Exausta, a tempestade: o céu devora
fantasmas dos meus sonhos que se afogam
na penumbra da noite. Sob as pálpebras
a desfocada luz,
os húmidos reflexos e lá fora
o amortecido ritmo da chuva
nublando ainda as horas, as muralhas
do caos que me sufoca. Na poalha
de tanta água brilha
o passado nos rostos que me olham."
(in "2." ("Até Chegar O Dia"), p. 96)
Dividido em cinco partes, cada uma com um número diferente de poemas, o livro apresenta também no início (e antes de cada capítulo) algumas citações em diferentes línguas (Francês, Português, Inglês, Alemão...), de fontes tão díspares como Jean-Jacques Rousseau, Emily Dickinson, Maria Gabriela Llansol, Cole Porter, Yves Bonnefoy ou Hugo von Hofmannsthal. O conteúdo é muito vivencial, sentido e descrito na primeira pessoa, com o autor a questionar-se a si próprio em várias ocasiões, ou a descrever encontros e sensações dirigidos de forma directa a outras pessoas. As referências ao céu e à luz, entre outras, são uma constante, assim como passagens ocasionais de alusões espaciais próximas a cidades como Lisboa (o Frágil, o Bairro Alto...), ou ainda a outros autores. É um livro que comunica consigo mesmo e não com o exterior, uma janela por onde os leitores poderão espreitar para o que ia na alma do autor na altura em que o escreveu. Isso acaba por tornar esta obra algo presa ao seu tempo, a uma certa ingenuidade que pode não sobreviver da melhor forma ao passar dos anos e após o contacto com mais obras. Sempre o chato do Conhecimento portanto, e eu próprio confesso que este é um livro a que estou ligado por uma óbvia carga nostálgica.
Para adquirirem o livro, podem tentar em alfarrabistas ou em páginas online com um foco em leilões como o OLX, por exemplo.
--//--
Afonso Cruz - Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal, 2009 / Alfaguara, 2012-)
Afonso Cruz é um dos mais interessantes escritores portugueses contemporâneos. Com um volume de obras já considerável e que teimam a sair a um ritmo que nem sempre é fácil de acompanhar, é um autor que se multiplica por vários géneros literários. Esta Enciclopédia da Estória Universal consiste num conjunto de livros muito particular, em que se promete uma nova obra (ou entrada, para usar um termo mais... enciclopédico) a cada ano. E assim tem sido desde 2012, se desconsiderarmos o primeiro volume publicado em 2009 pela Quetzal, que está há muito esgotado. Nesse sentido, deixo aqui o apelo e um pré-agradecimento a quem nos conseguir encontrar o referido volume.
"Não sei se fui um bom filósofo, mas fui com certeza o mais feio. Agrada-me a possibilidade de me libertar desta comédia que é o meu corpo. Poderei então filosofar livremente, sem dores de costas, e tornar-me-ei um homem abstracto, transformar-me-ei nas minhas ideias. E quando uma pessoa tentar conhecer-se a si mesma, essa pessoa serei eu. E sempre que alguém compreenda o tamanho da sua ignorância, essa pessoa serei eu."
(excerto da entrada "Liberdade de Expressão", atribuída a Platão, A Apologia de Sócrates, in Enciclopédia da Estória Universal: Recolha de Alexandria, p. 70)
Uma Enciclopédia fictícia, com entradas por ordem alfabética, em que cada uma é composta por narrativas de teor diverso apresentadas como factos históricos, mas com quase tudo a ser manifestamente falso ou, digamos assim, ficcional. Desde as referências bibliográficas no final de cada livro, aos supostos autores e personagens dos textos de cada entrada, que chegam a aparecer de forma recorrente em várias páginas (ou até em outras obras do autor) citadas por outros autores, o todo é um labirinto difícil de descortinar. Pelo meio, referências a entidades, autores, filósofos e religiões reais (entre muito mais), que só ajudam a baralhar a percepção do que estamos a ler e do que é verdadeiro ou falso. Isto diz-nos, também, que estas obras não são para o leitor comum, mas sim para quem já leu muito (ou tem curiosidade em saber mais sobre tudo o que o autor refere), de múltiplas áreas de conhecimento, caso contrário podem não conseguir desfrutar do livro da melhor maneira. Engane-se pois quem pensa que isto se lê ocasionalmente, em espaços de 15 minutos ou em meia hora, pelo contrário, estes livros pedem-nos que desaceleremos o ritmo dos dias.
"O pianista Erik Gould, nos anos em que viveu em França, costumava colocar cartas de amor dentro de garrafas e atirava-as ao mar. Ao fazê-lo, não tinha mais esperanças do que um náufrago numa ilha deserta. Gould dizia que o amor é assim, como a poesia, uma tentativa de salvação com poucas probabilidades de, um dia, chegar a alguém."
(excerto da entrada "Percurso: corrente de Gould-Rebecca", in Enciclopédia da Estória Universal: Mar, p. 131)
Divagações, pequenos contos, múltiplas metáforas, inúmeros aforismos. A premissa destas Enciclopédias é curiosa, mas não necessariamente original no conceito, com influências de Jorge Luis Borges e, em particular, de Milorad Pavić se pensarmos nas semelhanças conceptuais com a obra Dicionário Khazar.
Enciclopédia da Estória Universal é um exercício literário e imaginativo prodigioso, que tenta mostrar-nos formas diferentes de olhar para o mundo, mas há que dizer que o equilíbrio nos conteúdos nem sempre é o melhor, o que leva a uma variação qualitativa consoante os volumes e até dentro dos mesmos. A destacar também o bonito design das capas das edições na Alfaguara, que se estende para o interior e paginação, com pormenores deliciosos como as próprias lombadas de cada livro formarem um desenho que se vai revelando aos poucos à medida que as juntamos uma a uma.
Volumes editados até ao momento:
1|Enciclopédia da Estória Universal (2009) | 136pp.
2|Recolha de Alexandria (2012) |112pp.
3|Arquivos de Dresner (2013) |106pp.
4|Mar (2014) | 186pp.
5|As Reencarnações De Pitágoras (2015) | 120pp.
6|Mil Anos de Esquecimento (2016) | 216pp.
Com excepção do primeiro livro publicado na Quetzal, os restantes são relativamente fáceis de encontrar.
--//--
Daniel da Rocha Leite - Ave Eva (Instituto de Artes do Pará, 2012)
Daniel da Rocha Leite é um escritor brasileiro com um já largo número de obras publicadas entre poesia, romance, infanto-juvenil, crónica e contos, mas ainda bastante desconhecido do público português apesar de ser um dos autores contemporâneos da Literatura do Pará que mais prémios literários tem conquistado. Ave Eva (prémio Instituto de Artes do Pará) é um conjunto de vários contos em que a escrita assume uma sensibilidade latente a cada frase, uma das características do autor.
"Havia esse encontro marcado. Ela veio andando bem devagar. Em suas mãos quase transparentes, veias verdes correndo uma vida inteira, ela segurava um molho de chaves, que fez um barulho que me trouxe lembranças da casa de uma tia na qual passávamos os meses de julho. A vida tem os seus sons e enigmas – pensei. Rapidamente, ela livrou-se dos três cadeados."
(in Ave Eva, conto "Sobrenomes", p. 61)
O amor, a mulher, a água, personagens delicadas. Alguns temas são recorrentes nestas narrativas curtas, assim como curtas o são certas frases e parágrafos, pausas que nos remetem para o ritmo de poemas, para momentos que intercalam introspecção e instantes descritivos fugidios em que se fundem géneros literários. As narrativas são precisas, com memórias de negro, de mortes e separações em alguns casos, mas com muita luz e esperança no final, um celebrar a vida que é outra das particularidades deste autor.
"(...) Ela sabia disso, desse pequeno detalhe, quando veio em um uniforme azul, lábios suaves, luminosos cílios negros, calma voz e cabelos presos em um coque. Foi a primeira vez que vi, assim, os cabelos de uma mulher. Presos em uma renda. Dentro de um coque. Como em um ninho de passarinho. Coque, que até hoje ainda possui, para mim, vários segredos de uma mulher quando ela – mãos e dedos dentro dos fios – solta os cabelos e eu, finalmente, posso compreender alguma coisa."
(in Ave Eva, conto "nado sincronizado", p. 39)
Pequenas histórias que exploram âmbitos femininos. Adquirir Ave Eva pode ser complicado, vulgo impossível, sem recorrer à importação via internet ou encomendando directamente ao autor. Neste último caso, poderei facilitar o contacto a quem estiver interessado.
ConversionConversion EmoticonEmoticon