“Histórias em Cellophane” e “Moléculas”: Subversão transversal


“Estes livros, são de poesia?”
“Sim, mas não estão escritos em verso.”


Este pequeno diálogo, do qual não fiz parte, foi o início de uma conversa no Mercado Municipal de Agualva, na Papelaria Amélia Santos, local onde se podem encontrar alguns exemplares à venda de Histórias em Cellophane e Moléculas. Pouco depois, uma senhora de idade avançada levaria um exemplar de cada para oferecer ao neto, com cerca de 14/15 anos, após o rapaz colocar a pergunta inicial. Diga-se, a título de curiosidade, que já antes o rapaz tinha ficado fascinado com um postal da minha autoria e não descansou até ficar com ele.



Uma papelaria, num Mercado na zona do Cacém, não parece, à partida, o local mais óbvio para se ter livros como estes à venda, tal como um quiosque na zona da Buraca por exemplo, que provavelmente será o próximo espaço físico a ter disponíveis alguns destes livros. Mas o referido diálogo, o contexto e pessoas envolvidas, assim como o número já considerável de vendas, conta-nos uma narrativa diferente. Há uma ideia desfasada, com o seu quê de elitista, que nos diz que um livro, ou a cultura, têm de estar relegados apenas para certos espaços e públicos (mais centrais, com outra tradição cultural, em feiras, mais ligados ao lado intelectual e não ao popular, etc.) quando, por vezes, é precisamente aí que as obras acabam por ser mais ignoradas. A fome de saber, de conhecer, encontra-se, em diversas ocasiões, no espectro oposto. O início da conversa diz-nos, também, que ali já se chegou a uma constatação que deverá ser óbvia para quem já tomou contacto com estes livros. Por muito que a forma possa ser diferente, eles enquadram-se perfeitamente no campo da poesia.



Mas serão estes livros, com várias camadas, possibilidades de leitura, deturpação de género (que não é claro, ou manifestamente escrito no feminino) e uma linguagem que, não raras vezes, pode ser considerada complexa, obscura e impenetrável, propícios para um público constituído pelas pessoas envolvidas na conversa que inicia esta reflexão? A resposta a essa questão poderá estar no passado.
Note-se que longe de mim querer apresentar esta iniciativa, curiosidades e ideias como solução milagrosa ou definitiva para o que quer que seja; o objectivo destas dissertações é apenas o de ajudar a pensar em alternativas.

Quando era mais novo, foi desta maneira que me comecei a interessar por várias coisas, entre elas a Literatura, tal como acabaria por influenciar eu próprio outras pessoas da mesma forma, consoante mostrávamos livros uns aos outros, ou porque algo nos despertava a atenção num local de venda e decidíamos trazer esses livros (e não só) para casa. A viver nos subúrbios, a aquisição de conhecimento dependia da nossa vontade e da partilha entre todos porque, normalmente, o que existia estava apenas disponível nos centros das cidades. Foi assim, numa de várias histórias caricatas do passado, que dei a conhecer Anaïs Nin a um grupo da zona do Porto que se juntou a nós num festival de música em Vilar de Mouros por exemplo, ou que me mostraram obras de Sarah Kane e Nan Goldin, entre muitas outras.


É certo que em determinadas idades não sabemos bem descortinar, apreciar ou interpretar alguns conteúdos, mas pode já existir algo que nos chama, uma espécie de voz interior, ou algo que nos inspire. É como ter adquirido alguns discos que só 10 anos mais tarde me passaram a fazer pleno sentido, ou por ser assim que alguém se pode interessar por Pintura, Fotografia, ou outra área do foro artístico e criativo. Apesar das claras diferenças em relação a estes livros, existem razões para que o mercado do livro infanto-juvenil esteja em franca expansão e ofereça algumas das obras mais estimulantes que podemos encontrar. É em certas faixas etárias que, por vezes, se iniciam determinadas aprendizagens, saberes e fascínios. E além das mães, as avós também tendem a ter um papel preponderante e é assim que vejo o diálogo e a abertura de espírito que dá início a este texto.



Entre toda a campanha online, com um público diversificado que viabilizou a existência destes livros, as vendas posteriores através da internet e episódios como este, há algo de muito subversivo nesta iniciativa que partiu da premissa de se tentar partilhar algo bonito através da interacção directa entre público e autor. É difícil, mas continuo a acreditar que se pode conseguir um meio-termo, chegar às pessoas sem elitismos e sem necessidade de se fazer concessões no conteúdo. Note-se que longe de mim querer apresentar esta iniciativa, curiosidades e ideias como solução milagrosa ou definitiva para o que quer que seja; o objectivo destas dissertações é apenas o de ajudar a pensar em alternativas. A escala deste projecto pode ser considerada pequena, mas os resultados já alcançados permitem-nos sonhar com outras formas de estar e de ser, o que em si já é um sinal positivo de missão cumprida.

Mais informações sobre estes livros nesta ligação. As encomendas fazem-se através do método habitual, via e-mail: azelpds@gmail.com, ou, se preferirem, através de mensagem no Facebook, formulário de contacto no portefólio, ou por outras redes que frequentem e que eu esteja por lá. Para quem ainda não o fez é aproveitar enquanto ainda existem exemplares disponíveis porque não haverá 2ª edição ou algo que se pareça. Neste momento sobram apenas 53 de cada livro.