Uma exposição dedicada à arte do cartaz é por si mesma um evento raro em Portugal. O facto de a temática dar azo a reflexões sobre a importância concedida por vários artistas de renome (e não só) a esta arte e a razão pela qual isso ainda persiste nesta era digital, em que outras formas de comunicação/publicidade conseguem ser, em geral, mais eficazes, é ainda mais raro. Existisse oportunidade e isto seria tema de conversa para várias horas, até porque é um assunto que me é familiar.
Com o título completo ‘Honey, I rearranged the collection... by artist: Cartazes da Coleção Lempert (capítulo 1 / 1.ª parte)’, esta mostra vai estar patente nas galerias 1 e 2 da Culturgest de Lisboa a partir do dia 1 de Novembro e irá manter-se por lá até ao dia 15 de Março do próximo ano. Concebida e organizada por Miguel Wandschneider como primeira parte de um projecto que englobará, até ao final de 2018, várias exposições divididas em três capítulos, esta primeira exposição comporta cerca de 600 cartazes de uma colecção privada que contém cerca de 15.000 trabalhos. Nela podemos apreciar a visão de diferentes artistas que se viriam a tornar ícones de movimentos artísticos como a pop art ou o surrealismo por exemplo, e de várias tendências que encontram pontos de relação com o que normalmente se associa à Arte Contemporânea. Jean Dubuffet, Claes Oldenburg, Robert Rauschenberg, Andy Warhol, Richard Hamilton, Dieter Roth, Oswald Oberhuber, Sol Lewitt, Marcel Broodthaers, Lawrence Weiner, ou Günter Brus, são alguns desses nomes.
Apreciar esta exposição requer conhecer um pouco do contexto histórico das obras, já que muitas das abordagens fizeram parte de revoluções artísticas da época, numa altura em que as classificações e separações começaram a deixar de fazer sentido em vários meios artísticos. Como tal, não é de espantar que, em termos cronológicos, tenhamos nesta mostra um conjunto de cartazes que partem da década de 50 do século passado para nos mostrar percursos que são análogos à própria evolução que cada artista foi efectuando desde então.
Em muitos casos, ao contrário do que normalmente se faz e é tido como regra num meio como a publicidade, a ideia era mesmo abolir a facilidade da comunicação nos cartazes, desafiar, experimentar, declarar-se artista. Era uma atitude que se revelava pertinente e devidamente contextualizada na altura e cujo público-alvo se restringia, em grande parte, à apreciação pelos pares e não-leigos, o que constitui um dos problemas actuais de uma boa fatia do meio artístico (e não só), fechado numa bolha hermética, afastado das pessoas, a copiar as ideias e conceitos de outrora que não fazem sentido algum nos dias que correm.
Percorrer as várias salas desta exposição recordou-me, em parte, a experiência estética recente que tive ao folhear a obra A mai magyar plakát (Contemporary Hungarian Poster), um dos livros essenciais para se entender um pouco da História dos cartazes húngaros (tema que muito me interessa) e que se dedica maioritariamente ao período dos anos 70 e 80.
À esquerda: Árpád Darvas - 'Istenem, emberek vagyunk (I'll Be Good From Now On, Grandpa)'
À direita: György Kemény - 'Fahrenheit 451'
A grande diferença estará nas abordagens, apesar de se encontrarem elos de ligação com várias tendências contemporâneas. Palete cromática forte, colagens, abstraccionismo, com formas geométricas isoladas, texto desordenado...
Com tantas obras patentes de uma só vez, o risco de overdose sensorial é evidente apesar de a estruturação, assente na narrativa visual de cada artista, permitir um respirar dos cartazes expostos em cada sala. Em jeito de paradoxo, existia uma sensação de vazio inerente à falta de outros elementos que permitiriam fornecer mais contexto ao tema da exposição, ao tipo de luz utilizada e às cores das próprias paredes. Um branco frio permeava o ar. Em benefício da dúvida, há que dizer que parte desta mostra ainda estava a ser montada aquando da visita guiada a que tive acesso, por isso algumas destas imperfeições poderão vir a desaparecer.
Tendo em conta o que se pode vislumbrar em várias mostras presentes em museus europeus, em que existe nas exposições inúmero material temático relacionado (textos, livros, fotografias da época, filmes, utensílios, entre outros) para dar um melhor contexto e, até, para enriquecer toda a experiência – quando as próprias salas se transformam a cada exposição (luzes, cores, paredes e suportes alterados estrategicamente, etc.) –, é de ponderar nestes pormenores no futuro para o todo não se apresentar como um conjunto de salas brancas glaciais. Por que não tentar apresentar materiais relacionados com o filme Querelle de Rainer Werner Fassbinder, ou com Jean Genet, autor francês do romance de onde provém o filme retratado no cartaz da autoria de Andy Warhol? Ou vídeos dos Rolling Stones por exemplo, ou elementos relacionados com Marcel Duchamp, já que ambos aparecem também em cartazes? As possibilidades são quase infinitas.
Com um preço de entrada bastante acessível, apenas 2€ (gratuita aos Domingos), esta iniciativa poderá ser uma opção a ter em conta para os mais curiosos por esta arte e, principalmente, para os fãs dos artistas presentes, das estéticas e dos contextos das épocas retratadas. Retirados desses meandros, os trabalhos perdem muito do seu sentido, mas na narrativa quilométrica da exposição o volume generoso deverá aguçar a curiosidade do seu público-alvo.
Com o título completo ‘Honey, I rearranged the collection... by artist: Cartazes da Coleção Lempert (capítulo 1 / 1.ª parte)’, esta mostra vai estar patente nas galerias 1 e 2 da Culturgest de Lisboa a partir do dia 1 de Novembro e irá manter-se por lá até ao dia 15 de Março do próximo ano. Concebida e organizada por Miguel Wandschneider como primeira parte de um projecto que englobará, até ao final de 2018, várias exposições divididas em três capítulos, esta primeira exposição comporta cerca de 600 cartazes de uma colecção privada que contém cerca de 15.000 trabalhos. Nela podemos apreciar a visão de diferentes artistas que se viriam a tornar ícones de movimentos artísticos como a pop art ou o surrealismo por exemplo, e de várias tendências que encontram pontos de relação com o que normalmente se associa à Arte Contemporânea. Jean Dubuffet, Claes Oldenburg, Robert Rauschenberg, Andy Warhol, Richard Hamilton, Dieter Roth, Oswald Oberhuber, Sol Lewitt, Marcel Broodthaers, Lawrence Weiner, ou Günter Brus, são alguns desses nomes.
Apreciar esta exposição requer conhecer um pouco do contexto histórico das obras, já que muitas das abordagens fizeram parte de revoluções artísticas da época, numa altura em que as classificações e separações começaram a deixar de fazer sentido em vários meios artísticos. Como tal, não é de espantar que, em termos cronológicos, tenhamos nesta mostra um conjunto de cartazes que partem da década de 50 do século passado para nos mostrar percursos que são análogos à própria evolução que cada artista foi efectuando desde então.
Em muitos casos, ao contrário do que normalmente se faz e é tido como regra num meio como a publicidade, a ideia era mesmo abolir a facilidade da comunicação nos cartazes, desafiar, experimentar, declarar-se artista. Era uma atitude que se revelava pertinente e devidamente contextualizada na altura e cujo público-alvo se restringia, em grande parte, à apreciação pelos pares e não-leigos, o que constitui um dos problemas actuais de uma boa fatia do meio artístico (e não só), fechado numa bolha hermética, afastado das pessoas, a copiar as ideias e conceitos de outrora que não fazem sentido algum nos dias que correm.
Percorrer as várias salas desta exposição recordou-me, em parte, a experiência estética recente que tive ao folhear a obra A mai magyar plakát (Contemporary Hungarian Poster), um dos livros essenciais para se entender um pouco da História dos cartazes húngaros (tema que muito me interessa) e que se dedica maioritariamente ao período dos anos 70 e 80.
À esquerda: Árpád Darvas - 'Istenem, emberek vagyunk (I'll Be Good From Now On, Grandpa)'
À direita: György Kemény - 'Fahrenheit 451'
A grande diferença estará nas abordagens, apesar de se encontrarem elos de ligação com várias tendências contemporâneas. Palete cromática forte, colagens, abstraccionismo, com formas geométricas isoladas, texto desordenado...
Com tantas obras patentes de uma só vez, o risco de overdose sensorial é evidente apesar de a estruturação, assente na narrativa visual de cada artista, permitir um respirar dos cartazes expostos em cada sala. Em jeito de paradoxo, existia uma sensação de vazio inerente à falta de outros elementos que permitiriam fornecer mais contexto ao tema da exposição, ao tipo de luz utilizada e às cores das próprias paredes. Um branco frio permeava o ar. Em benefício da dúvida, há que dizer que parte desta mostra ainda estava a ser montada aquando da visita guiada a que tive acesso, por isso algumas destas imperfeições poderão vir a desaparecer.
Tendo em conta o que se pode vislumbrar em várias mostras presentes em museus europeus, em que existe nas exposições inúmero material temático relacionado (textos, livros, fotografias da época, filmes, utensílios, entre outros) para dar um melhor contexto e, até, para enriquecer toda a experiência – quando as próprias salas se transformam a cada exposição (luzes, cores, paredes e suportes alterados estrategicamente, etc.) –, é de ponderar nestes pormenores no futuro para o todo não se apresentar como um conjunto de salas brancas glaciais. Por que não tentar apresentar materiais relacionados com o filme Querelle de Rainer Werner Fassbinder, ou com Jean Genet, autor francês do romance de onde provém o filme retratado no cartaz da autoria de Andy Warhol? Ou vídeos dos Rolling Stones por exemplo, ou elementos relacionados com Marcel Duchamp, já que ambos aparecem também em cartazes? As possibilidades são quase infinitas.
Com um preço de entrada bastante acessível, apenas 2€ (gratuita aos Domingos), esta iniciativa poderá ser uma opção a ter em conta para os mais curiosos por esta arte e, principalmente, para os fãs dos artistas presentes, das estéticas e dos contextos das épocas retratadas. Retirados desses meandros, os trabalhos perdem muito do seu sentido, mas na narrativa quilométrica da exposição o volume generoso deverá aguçar a curiosidade do seu público-alvo.
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