Nunca percebi muito bem porque mantinhas a tua janela debaixo de água. Todos os dias, pelas manhãs, tentava abrir o fecho, vã tentativa de mergulhar no teu perímetro cercado. Respondias-me pelo intercomunicador da porta, dizias que tinhas um túnel debaixo das pernas, que agora não era uma boa altura.
Não consigo esconder a sensação que chegava sempre a meio de algo grandioso, um evento mágico e maravilhoso a que nunca me foi dada a autorização para uma participação activa. Filosofias da premência, digladiar nos cantos das paredes com os cabelos ondulantes, ocorriam-me ironias várias.
Os avisos, palmadinhas nas costas. Porque insistes em ler esses contos infantis perguntavam-me, as palavras cortavam como facas, como se a alma fosse um legume frágil e palpável. As sereias não existem, tu também não, criatura de lendas, de barcos de piratas abalroados por intempéries. Mandava-as calar, as vozes, e remexia o ar com o dom de quem sabe o que se esconde nas nuvens da confusão.
Aquela distância incomodava-me, sabia que não tinhas escamas, as roupas justas ao corpo denunciavam-te. A asfixia abria-se diante de mim, sem guelras para respirar, senti-te o toque antes de fechar os olhos, periclitante, afogado na tua janela.
Nuno Almeida
Contos do Tirano
2012
Não consigo esconder a sensação que chegava sempre a meio de algo grandioso, um evento mágico e maravilhoso a que nunca me foi dada a autorização para uma participação activa. Filosofias da premência, digladiar nos cantos das paredes com os cabelos ondulantes, ocorriam-me ironias várias.
Os avisos, palmadinhas nas costas. Porque insistes em ler esses contos infantis perguntavam-me, as palavras cortavam como facas, como se a alma fosse um legume frágil e palpável. As sereias não existem, tu também não, criatura de lendas, de barcos de piratas abalroados por intempéries. Mandava-as calar, as vozes, e remexia o ar com o dom de quem sabe o que se esconde nas nuvens da confusão.
Aquela distância incomodava-me, sabia que não tinhas escamas, as roupas justas ao corpo denunciavam-te. A asfixia abria-se diante de mim, sem guelras para respirar, senti-te o toque antes de fechar os olhos, periclitante, afogado na tua janela.
Nuno Almeida
Contos do Tirano
2012
As intempéries de lendas
Guardar [MP3, ZIP] Duração [30:50] Data: 30-07-2012
Playlist:
01. Agonidaeline - Loveless Triangle
02. Pleq - Hackneyed Words
03. Me.Man.Machine - 7 Minutes Late
04. Peter Murphy - Subway
05. The Soft Moon - Sewer Sickness
06. Joy Division - Dead Souls
07. Julian Fane - Our New Quarters
08. LAKE R▲DIO - Waiting In Heaven
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