A caricatura é da autoria de Inês Guerreiro, datada de 1949 e depositada na BN
Quando chegamos ao final de um dia, cansados, e com uma vontade imensa de ouvir, de partilhar, de falar até de manhã e não podermos mais, isso é um sinal muito indicativo de como adorámos algo. Isso ser cada vez mais raro nos tempos que correm, também.
Ontem rumámos ao Café Saudade, em Sintra, para espreitar as leituras que ocorrem por lá na última quinta-feira de cada mês. São encontros literários, que se focam em obras pertinentes e que fomentam uma discussão saudável, além de serem muito pedagógicas. Neste caso a obra escolhida foi ‘O Conde d’Abranhos’, de Eça de Queiroz, uma sátira à classe política portuguesa e não só.
Escrita em Novembro de 1878 e publicada postumamente só em 1925, esta obra, tal como outros exemplos no que toca ao Eça de Queiroz, é de uma actualidade tão fascinante como curiosa, preocupante e até triste. Muito do que se descreve no livro devia pertencer a um passado distante, mas foi sendo repetido e é uma realidade que continua a existir.
Orientada pelo Professor Vítor Pena Viçoso, esta leitura deixou-nos estupefactos. O que não invalidou que tivéssemos logo notado um aspecto curioso. Éramos as únicas pessoas mais jovens naquela sala, as únicas com vontade de beber daquela sabedoria, de saborear o pensamento abstracto e crítico de quem sabe pensar, de ouvir todas aquelas pessoas presentes que tinham algo para dizer, para partilhar, com conteúdo, com forma. Isso acontecer com uma obra que está longe de ser das mais conhecidas do autor, foi tão notável como nos fez ver o referido livro de um outro prisma, o que é algo que também faz muita falta como sabemos. A abordagem certa, é o que separa uma pessoa interessar-se pelo tema em questão, do contraste que é a mesma pessoa desligar completamente do que se está a tratar. Ver o exemplo crasso de como ‘Os Lusíadas’ é muitas vezes imposto e dado nas escolas.
Acabam por ser mais importantes, e por fazer mais por nós, eventos como estes do que manifestações vazias, ocas, de rebanho, para pedir aos outros as fotografias para se partilhar no dia seguinte nas redes sociais. Porque é giro, porque gostamos de mostrar, de ostentar a rebeldia, num impulso tão infantil como desenharmos o símbolo da anarquia nas paredes e secretárias da escola. São eventos como estes que nos fazem pensar, que nos impelem a agir, que nos dão outra força, que nos dão a arma da palavra, da discussão.
Não são também os encontros de poesia bacocos com fins de mostrar aos outros como somos fixes e como sabemos tornar a escrita e a palavra em algo banal e desprovido de força. Aparentemente, a performance é que interessa, mesmo que nos limitemos a falar da disposição da nossa casa-de-banho e de como a sanita é branca e de como os espelhos mostram o autoclismo enquanto estamos sentados. Se calhar estou a ser injusto, se calhar nenhum desses encontros muito em voga em certos círculos nunca quis ser uma revolução ou um murro na mesa, mas apenas uma distracção, uma desculpa para beber copos. Isso não impede que o sinta parte de um problema de adormecimento colectivo que graça em geral, de um conformismo em cruzar os braços e de não ter coragem, tomates vá, para tornar a arte e a cultura como um auxílio interventivo digno desse nome invés de um mero círculo de vaidades para os amigos.
É mais fácil pegar em mitologias também, em nostalgias embelezadas consoante o interesse, do que olhar para nós e para um presente que tem tudo para fomentar uma mudança concreta. E porque é mais fácil, também, vendermos a imagem do coitadinho e do cinzento, à mistura com as campanhas heróicas que só o são porque decidimos desligar o nosso sistema cognitivo e apelar ao populismo para cativar a lavagem cerebral colectiva e aceitarmos tudo como certo.
A energia que sentimos aqui, nesta noite, nesta partilha, na sagácia daquelas pessoas com uma vivência que nos fazia brilhar os olhos, é o que nos faz querer mudar o mundo no dia seguinte, é o que não nos deixa dormir, atormenta-nos, queremos criar, agir, organizar movimentos de diálogo entre as mentalidades para um esforço colectivo que nos transforma enquanto indivíduos. Ao mesmo tempo, foi como se estivéssemos numa aula de Cultura Portuguesa da Universidade com alunos muito interessados e vários professores que iam distribuindo o conhecimento para quem tivesse vontade de beber daquele néctar. É isto.
Ontem rumámos ao Café Saudade, em Sintra, para espreitar as leituras que ocorrem por lá na última quinta-feira de cada mês. São encontros literários, que se focam em obras pertinentes e que fomentam uma discussão saudável, além de serem muito pedagógicas. Neste caso a obra escolhida foi ‘O Conde d’Abranhos’, de Eça de Queiroz, uma sátira à classe política portuguesa e não só.
Escrita em Novembro de 1878 e publicada postumamente só em 1925, esta obra, tal como outros exemplos no que toca ao Eça de Queiroz, é de uma actualidade tão fascinante como curiosa, preocupante e até triste. Muito do que se descreve no livro devia pertencer a um passado distante, mas foi sendo repetido e é uma realidade que continua a existir.
Orientada pelo Professor Vítor Pena Viçoso, esta leitura deixou-nos estupefactos. O que não invalidou que tivéssemos logo notado um aspecto curioso. Éramos as únicas pessoas mais jovens naquela sala, as únicas com vontade de beber daquela sabedoria, de saborear o pensamento abstracto e crítico de quem sabe pensar, de ouvir todas aquelas pessoas presentes que tinham algo para dizer, para partilhar, com conteúdo, com forma. Isso acontecer com uma obra que está longe de ser das mais conhecidas do autor, foi tão notável como nos fez ver o referido livro de um outro prisma, o que é algo que também faz muita falta como sabemos. A abordagem certa, é o que separa uma pessoa interessar-se pelo tema em questão, do contraste que é a mesma pessoa desligar completamente do que se está a tratar. Ver o exemplo crasso de como ‘Os Lusíadas’ é muitas vezes imposto e dado nas escolas.
Acabam por ser mais importantes, e por fazer mais por nós, eventos como estes do que manifestações vazias, ocas, de rebanho, para pedir aos outros as fotografias para se partilhar no dia seguinte nas redes sociais. Porque é giro, porque gostamos de mostrar, de ostentar a rebeldia, num impulso tão infantil como desenharmos o símbolo da anarquia nas paredes e secretárias da escola. São eventos como estes que nos fazem pensar, que nos impelem a agir, que nos dão outra força, que nos dão a arma da palavra, da discussão.
Não são também os encontros de poesia bacocos com fins de mostrar aos outros como somos fixes e como sabemos tornar a escrita e a palavra em algo banal e desprovido de força. Aparentemente, a performance é que interessa, mesmo que nos limitemos a falar da disposição da nossa casa-de-banho e de como a sanita é branca e de como os espelhos mostram o autoclismo enquanto estamos sentados. Se calhar estou a ser injusto, se calhar nenhum desses encontros muito em voga em certos círculos nunca quis ser uma revolução ou um murro na mesa, mas apenas uma distracção, uma desculpa para beber copos. Isso não impede que o sinta parte de um problema de adormecimento colectivo que graça em geral, de um conformismo em cruzar os braços e de não ter coragem, tomates vá, para tornar a arte e a cultura como um auxílio interventivo digno desse nome invés de um mero círculo de vaidades para os amigos.
É mais fácil pegar em mitologias também, em nostalgias embelezadas consoante o interesse, do que olhar para nós e para um presente que tem tudo para fomentar uma mudança concreta. E porque é mais fácil, também, vendermos a imagem do coitadinho e do cinzento, à mistura com as campanhas heróicas que só o são porque decidimos desligar o nosso sistema cognitivo e apelar ao populismo para cativar a lavagem cerebral colectiva e aceitarmos tudo como certo.
A energia que sentimos aqui, nesta noite, nesta partilha, na sagácia daquelas pessoas com uma vivência que nos fazia brilhar os olhos, é o que nos faz querer mudar o mundo no dia seguinte, é o que não nos deixa dormir, atormenta-nos, queremos criar, agir, organizar movimentos de diálogo entre as mentalidades para um esforço colectivo que nos transforma enquanto indivíduos. Ao mesmo tempo, foi como se estivéssemos numa aula de Cultura Portuguesa da Universidade com alunos muito interessados e vários professores que iam distribuindo o conhecimento para quem tivesse vontade de beber daquele néctar. É isto.
4 comentar
Click here for comentarExcelente texto, Nuno!
ReplyQue bela juventude que temos ! Parabéns !Assim vale pena debater em conjunto!
ReplyLuísa Matos
Deve ter sido muito interessante, só pelo texto fiquei com pena de não ter estado presente. O professor Vítor é um óptimo divulgador da nossa Cultura.
ReplyOlá Vítor. :) Fico contente por ter gostado e obrigado novamente por este momento memorável. :)
ReplyOlá Luísa, muito obrigado pelas palavras. :) Só temos alguma pena que mais pessoas não tivessem vontade de o fazer, mas é persistir. :)
Olá Viva. :) Nós fomos conhecer o professor e não sabíamos bem o que esperar, mas adorámos e por nossa vontade estaríamos lá até agora. :)
ConversionConversion EmoticonEmoticon