Um dia para estar comigo. As terças-feiras sempre me foram especiais, eleitas quando ainda pedia colo às pessoas.
Há todo um processo de escolha quando nos masturbamos com o acto de observar os outros. A luz do dia, o local, o número de indivíduos, o hospital. Cada semana é fruto de um processo mental moroso mas eficaz, de um estudo do senso comum que dita os dias de maior afluência em cada instituição.
A razão é simples, as pessoas sabem que irão ser observadas, vestem-se para isso. Para alguém de fora parecerá bizarro o porquê de uma mulher calçar uns sapatos de salto alto que a impedem de andar normalmente, ou o porquê de outras exibirem decotes generosos, ou as pernas a descoberto com saias que dão outro sentido ao termo diminuto quando estamos em pleno Inverno. Ou o porquê dos homens se aprumarem todos para voltarem a casa a cheirar a medicamentos anónimos. A realidade é todas estas pessoas nunca terão a oportunidade de ser vistas por tanta gente diferente como aqui, no hospital dos seus infortúnios.
Consigo perceber as cores da roupa interior, detectar a marca da água-de-colónia, os tiques insistentes que são abrandados com o acto de fumar, só preciso de encontrar o lugar certo. Pode ser um banco ao ar livre, ou posso fingir que leio um livro, tudo depende do número certo e da dinâmica presente entre a área de consultas externas ou a dedicada às urgências, qualquer estudo depende disso.
Molho os lábios e olho por cima dos óculos. Se um espécime me chamar a atenção projecto simpatia, aceno com uma mão e esboço um sorriso. É por variantes como esta que o carro é outro elemento da equação que se destina encontrar a fórmula certa para cada dia. A simpatia só existe quando albergados nas paredes frias de um automóvel nos momentos de maior calor, de maneira a que a luz nos cegue mutuamente. Nessa altura, ambos validamos a presença do outro e todo o esforço envolvido, somos um.
Nuno Almeida
Contos do Tirano
2012
Há todo um processo de escolha quando nos masturbamos com o acto de observar os outros. A luz do dia, o local, o número de indivíduos, o hospital. Cada semana é fruto de um processo mental moroso mas eficaz, de um estudo do senso comum que dita os dias de maior afluência em cada instituição.
A razão é simples, as pessoas sabem que irão ser observadas, vestem-se para isso. Para alguém de fora parecerá bizarro o porquê de uma mulher calçar uns sapatos de salto alto que a impedem de andar normalmente, ou o porquê de outras exibirem decotes generosos, ou as pernas a descoberto com saias que dão outro sentido ao termo diminuto quando estamos em pleno Inverno. Ou o porquê dos homens se aprumarem todos para voltarem a casa a cheirar a medicamentos anónimos. A realidade é todas estas pessoas nunca terão a oportunidade de ser vistas por tanta gente diferente como aqui, no hospital dos seus infortúnios.
Consigo perceber as cores da roupa interior, detectar a marca da água-de-colónia, os tiques insistentes que são abrandados com o acto de fumar, só preciso de encontrar o lugar certo. Pode ser um banco ao ar livre, ou posso fingir que leio um livro, tudo depende do número certo e da dinâmica presente entre a área de consultas externas ou a dedicada às urgências, qualquer estudo depende disso.
Molho os lábios e olho por cima dos óculos. Se um espécime me chamar a atenção projecto simpatia, aceno com uma mão e esboço um sorriso. É por variantes como esta que o carro é outro elemento da equação que se destina encontrar a fórmula certa para cada dia. A simpatia só existe quando albergados nas paredes frias de um automóvel nos momentos de maior calor, de maneira a que a luz nos cegue mutuamente. Nessa altura, ambos validamos a presença do outro e todo o esforço envolvido, somos um.
Nuno Almeida
Contos do Tirano
2012
Da importância de validarmos o eu
Guardar [MP3, ZIP] Duração [31:25] Data: 01-02-2012
Playlist:
01. Bunny & The Electric Horsemen - Singing Ringing Tree
02. Gus Gus - Snoozer
03. Massive Attack - Live With Me
04. Ike Yard - Mille Filles
05. Il Cielo Di Bagdad - L’Ultimo Gesto (port-royal remix)
06. Still Corners - I Wrote in Blood
07. Mombi - A General Map Of Love
Tem formação em multimédia, fotografia e jornalismo. Mas mais do que isso, tem mundos na cabeça e caleidoscópios de actividade criativa.
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