"Inquieta, olho em meu redor, tiques nervosos a espreitar, procurando sempre mais do que tenho. Sinto-me carcomida por dentro, exausta, não me revendo em ti. Não és espelho.
De cada vez que estou contigo e não morro, sou puta, corpo vendido ao desbarato, nas orlas do acomodar. Sou um depósito de fluidos que não se cruzam, de transparências incomodativas que ameaçam quebrar-me as vontades por nos parecer que a vida é mesmo assim, que tudo isto é normal.
Suja, incomodada, nenhum banho me irá dar aquilo que pretendo. Quero ser impura, motivo de fé cega, religião, amante, verdadeira comigo, que alguém me guarde uma rua da cidade para me matar, encostada aos becos com cheiro a urina, rever-me no lixo que transborda dos caixotes, nos movimentos erráticos de um gato vadio. Quero dizer disparates, fazer disparates, andar à chuva apenas porque me apetece sentir as roupas a enrugarem-se e a encostarem-se ao meu corpo, coladas, fazer amor comigo. Quero perder-me, quero morrer, mas não contigo.
Desculpa…
Não… Larga-me, deixa-me cair, em ruína, até que os cacos flutuem nas margens dos encantos, asfixiados pelos braços de outro, debaixo de uma ponte ou onde calhar porque estou farta. Farta de representar, de pisar este palco, de não ser mulher, de não ser eu, como tal, se me amas, nem que seja só um pouquinho, deixa-me morrer."
Nuno Almeida, Retratos, 2009
De cada vez que estou contigo e não morro, sou puta, corpo vendido ao desbarato, nas orlas do acomodar. Sou um depósito de fluidos que não se cruzam, de transparências incomodativas que ameaçam quebrar-me as vontades por nos parecer que a vida é mesmo assim, que tudo isto é normal.
Suja, incomodada, nenhum banho me irá dar aquilo que pretendo. Quero ser impura, motivo de fé cega, religião, amante, verdadeira comigo, que alguém me guarde uma rua da cidade para me matar, encostada aos becos com cheiro a urina, rever-me no lixo que transborda dos caixotes, nos movimentos erráticos de um gato vadio. Quero dizer disparates, fazer disparates, andar à chuva apenas porque me apetece sentir as roupas a enrugarem-se e a encostarem-se ao meu corpo, coladas, fazer amor comigo. Quero perder-me, quero morrer, mas não contigo.
Desculpa…
Não… Larga-me, deixa-me cair, em ruína, até que os cacos flutuem nas margens dos encantos, asfixiados pelos braços de outro, debaixo de uma ponte ou onde calhar porque estou farta. Farta de representar, de pisar este palco, de não ser mulher, de não ser eu, como tal, se me amas, nem que seja só um pouquinho, deixa-me morrer."
Nuno Almeida, Retratos, 2009
3 comentar
Click here for comentaras imagens fluem na mente e ficamos á espera de mais ...
Replymorremos todos os dias um pouco ... mas nascemos cada vez mais fortes ... porque aprendemos a nos descobrir
Ena.. só li agora.. fiquei sem palavras, como aliás fico quase sempre quando acabo de ler o que escreves.
ReplyTrágico e nem sei se é a palavra que melhor encaixa aqui, mas depois consegues tornar tudo tão bonito.. não sei explicar. :)
Está muito bonito.
[a música combinou bem com o texto]
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Obrigado a ambas. :)
ReplyMadrugadas, existem algumas assim...)
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