Festival Beat It 08 – Rescaldo

As minhas idas ao Porto no que toca a ver concertos têm sido um pouco dequilibradas, andando entre performances e concertos catárticos, a outros cuja desilusão corrói as entranhas, apesar do espírito de aventura de percorrermos 300+km até lá acima. Numa altura em que a invicta vivia a febre das corridas Red Bull Air Race, este festival Beat It andou perigosamente entre as duas vertentes.

Com um princípio de mostrar ao público diversas tendências e facetas no que toca a música de cariz electrónico, o que se vislumbrava no recinto era uma face do que se iria passar ao longo da noite, em que a mistura de pessoas incentivava a um convívio curioso, como ao mesmo tempo uma separação clara de filosofias e de quem estava ali para ver o quê, sendo que a primeira parte da noite encabeçada pelos Ladytron pautava por agradar a um certo espírito adolescente, enquanto o resto era claramente virado para outro tipo de culturas, o que se viria a revelar até no que aconteceu em termos gerais a nível de ambiente e performances.

Chegados ao recinto, deparamos com um cenário nada animador, onde além da acústica pouco recomendável do Pavilhão Rosa Mota, que não é mais que um ginásio desportivo no fundo, víamos que ainda estavam a montar a banca de merchandise por exemplo (que acabou por nunca ser montada), com o culminar de toda a desorganização a ser o bar, que passada uma hora após as portas terem aberto ainda não estava funcional, para desespero das pessoas. Isto obrigou ao refúgio na barraquinha de comida no exterior, que nesse espaço de tempo foi autorizada a vender bebidas às pessoas, percebendo-se depressa o porquê da proibição de o fazerem quando o bar do festival estivesse finalmente aberto. É que neste último, uma imperial por exemplo custava €2.50, enquanto lá fora custavam €1…

Continuando nesta primeira impressão menos positiva, quando entrámos já estavam os japoneses Polysics a tocar e a qualidade do som era horrível, tal como o palco, em que o todo fazia lembrar mais um concurso de bandas amadoras ou de uma qualquer escola do secundário, do que propriamente algo como um festival com um cartaz de peso como era este. Quanto à sonoridade da banda, entre um electro punk rock e postura meio hardcore, não deixou grandes saudades, seguindo-se o ‘electroclash’ dos Trash Yourself, em registo mais de playback do que propriamente performance, em que as pessoas iam ficando entusiasmadas com as provocações fúteis e teenagers da vocalista, que, citando algumas pessoas, "era uma granda maluka!”. Pois, realmente se tivesse 15 anos ou menos talvez achasse alguma piada a este concerto com poses fingidas e estudadas, o qual se pode resumir numa palavra, vazio. E a qualidade da equalização e do som continuava deplorável.

Seguiram-se os Ladytron, e já nesta altura notávamos algo meio chocante até a esta altura, nomeadamente que nem sequer havia DJ ou música com volume decente até agora entre cada actuação, o que num suposto festival de música electrónica, é no mínimo constrangedor, pelo menos para o que eu e outras pessoas estamos habituadas a ver noutros eventos deste tipo. Para nossa infelicidade, a qualidade do som em Ladytron continuava má, o que se notou mal o baixo largou as primeiras notas, juntando-se problemas técnicos e uma banda alargada para seis elementos ao vivo que não estava muito entrosada, o que levou a problemas técnicos logo na segunda faixa, obrigando a tocarem a clássica Seventeen invés da Runaway anunciada pela banda.

O palco continuava despido e sem um jogo de luzes decente sequer, e tendo em conta a qualidade do som, se as pessoas não soubessem quem estava a tocar, mais parecia que estávamos a ver uma banda qualquer do que os Ladytron sinceramente, com muito do público a continuar disperso pelo recinto enquanto a banda tocava. E sim, pedia-se mais para um concerto, festival e banda desta envergadura, ainda mais nos tempos que correm e num recinto fechado, e desculpas como a música tem de valer por si só não chegam, bastando uma vista de olhos a alguns dos concertos da banda este ano espalhados pelo Youtube para se ter uma ideia do inferior que assisti no Beat It em comparação. A actuação nem durou uma hora, acabando sem surpresas com a 'Destroy Everything You Touch' e com as palavras "see you soon" por parte da banda. Esperemos que sim, e de preferência num concerto em nome próprio e noutro tipo de ambiente.

Até aqui a minha opinião sobre este festival estava profundamente virada para a desilusão, enquanto fomos apanhar um pouco de ar fora do recinto. Alguns minutos depois começámos a ouvir música em bom som, o que nos levou a investigar o que se passava. Para muita surpresa nossa, era o ambiente antes da performance de Etienne de Crecy, existindo também um cenário a ser montado no palco, sentindo-se um ambiente totalmente oposto ao que se tinha vivido ali até ao momento. Não sei se foi coincidência, ou se resolveram só nesta altura fazer algo mais a sério, mas realmente tudo o que se passou até então parecia uma brincadeira, começando ao mesmo tempo a instalar-se um ambiente mais festivo no recinto e a vontade de se ir dançando, já que até ao momento não tinha havido muito ambiente para isso. Existia uma certa ansiedade por libertação e algo mais no ar, e tinha chegado o momento, finalmente, para isso.

Etienne trouxe com ele o seu cubo de luz, ou ‘Cube Show’ como ele lhe chama, e só quem não percebe nada no que toca à arte do DJing, máquinas usadas e performances ao vivo deste género, é que pode dizer que não existe aqui muito trabalho, e neste caso de sincronização da música com o aspecto visual, em que o referido cubo projecta luz e efeitos consoante o som. O ambiente estava já a preparar-se para a festa, e mal as sirenes de introdução ecoaram, foi o êxtase, existindo muitos pontos altos, com destaque para as interpretações de ‘Overnet’ (de ‘Super Discount 2’), e da clássica Fast Track, aqui na versão em formato com registo vocal, conhecida como ‘Something Like You’. Outro pormenor a salientar, é que tanto nesta como nas duas actuações seguintes, qualquer um dos artistas sabia manipular o som de maneira exímia, e quando baixar o ritmo ou aumentar o mesmo de modo a criar crescendos de euforia no público, ao contrário da tendência que se ouve em muitos DJs, que limitam-se a manter um ritmo constante monótono e sempre na mesma batida. Muitos anos de prática, ouvido e experiência no fundo, mas que dão conta mais uma vez do tal trabalho que existe num espectáculo e actuação deste género.



O público estava em delírio, Etienne agradeceu e ainda tocou em formato encore mais uma faixa antes de se despedir de vez, com mais agradecimentos, provando que o electro, house ou techno, e performances relacionadas, podem ir muito mais além do que destilar-se apenas batidas insossas com x rotações por minuto.

Se Etienne foi bom, nada iria preparar-nos para o que se passou a seguir, com um Trentemøller endiabrado em formato DJ e apoiado também por uma projecção visual digna de nota. A actuação começou logo de maneira surpreendente com a faixa Lullaby dos The Cure, e com Trentemøller a brincar, literalmente, com os processadores de efeitos ligados à mesa e com uma técnica irrepreensível, e ao mesmo tempo imprevisível, nunca se sabendo muito bem o que poderia acontecer de seguida, tendo-se ouvido pelo meio da sua actuação os Nirvana (wtf?), New Order, a ‘Sweet Dreams’ dos Eurythmics, e perto do final até brindou os presentes com a ‘Love Will Tear Us Apart’ dos Joy Division, entre outras coisas, numa actuação memorável.



O ambiente do início ao fim foi de euforia e festa e são momentos como estes que nos fazem ver ainda mais como muitos de ‘nós’ temos um longo caminho a percorrer até chegarmos ao nível deste senhor, e no que me toca, tenho sérias dúvidas que alguma vez lá chegue, tendo ficado estupefacto, e largamente suado diga-se, após as luzes acenderem-se de vez, dando assim como terminada cerca de uma 1h:30 brutal, que me deixou com um largo sorriso na cara e, pasmem-se, feliz.

Após mais um tempito para recuperarmos o fôlego e um pouco de ar fora do recinto, chegou a hora da nossa surpresa pessoal neste evento, a actuação de Dusty Kid, que andou entre o electro/techno minimal, com várias passagens psicadélicas, ambientais e industriais pelo meio, acompanhado mais uma vez por uma parte visual em termos de projecção muito peculiar, e intimamente ligada à actuação, com destaque para um dos temas em que se ouviam samples a dizer “Everytime, everyday, anyway, acid” (salvo erro, pois já passavam das 5h da manhã e a memória prega-nos partidas), com as letras a passarem na tela e acompanhadas pelos famosos smiles amarelos na altura em que se ouvia a palavra “acid” repetidamente. O maior problema desta actuação era que a construção de ambientes mais introspectivos, misturados com crescendos e mudanças constantes de ritmo fazia com que muitos dos presentes não soubessem muito bem como reagir ao que se passava, alternando entre a dança e o olhar pasmados para o palco (onde me incluo), e o aborrecimento noutros casos, já que Dusty Kid não hesitava em tentar provocar as reacções mais díspares no público, sentindo-se quase como um teste para ver onde até conseguiríamos ir.

No final muito do público rendeu-se, e ele ainda voltou ao palco para mais um tema, muito bonito diga-se, com um crescendo ambiental bucólico acompanhado de imagens a condizer, culminando numa parte catártica industrial e violenta que até me lembrou alguns dos ambientes dos The Young Gods na sua fase ‘Second Nature’, para depois deixar o som cair em câmara lenta, reduzindo o ‘pitch’ da música e máquinas até ao zero, numa ligação homem máquina particular em que sentiu que algo de diferente aconteceu ali, mesmo que não tenha agradado a todos. E isto foi uma das grandes vitórias deste festival, a diferença entre todos os artistas presentes, cada um com o seu cunho muito próprio.

Já depois das 6h da manhã David Carreta subiria ao palco, mas o cansaço já se fazia sentir no recinto, e a violência sonora, numa onda techno e electro algo negra nonstop, sentiu-se como um pouco de abuso para aquelas horas, em que a cabeça já estava em água e os corpos cansados pelo que se passou até aí. Acaba sempre por ser uma tarefa algo ingrata para quem encerra este tipo de eventos, como já tinha acontecido quando fui ver Ticon (principalmente) ao Domus em Lisboa.

Em jeito de conclusão, podemos tirar ilações bem positivas de todo o festival, sendo de louvar a ideia de tentar juntar e mostrar diversas variantes ligadas à música electrónica, mesmo que isso não tenha sido totalmente bem conseguido, com destaque para a primeira metade do festival, sentindo-se que qualquer um dos projectos estava ali deslocado, ao contrário do que se tivessem estado num Super Bock Super Rock ou Alive! por exemplo. Se existir uma próxima edição, e esperemos que sim, aconselha-se apenas uma melhor organização, porque fazem falta eventos deste género, não só no Porto, como em geral. A deslocação valeu totalmente a pena no que me toca, assim como os €15 que custou o bilhete, que era um preço bem mais acessível para a carteira tendo em conta a realidade e crise económica que se vive no país, ao contrário de outros festivais e concertos.

2 comentar

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09 setembro, 2008 19:33 ×

Ena!.. Isso é que foi curtir!!! :)

Foi pena as coisas terem estado mal organizadas como contaste, mas infelizmente isso já vem a ser um hábito neste tipo de Festivais mais 'pequenos' e menos conhecidos por parte do público.

É pena, e acho até que mais pelas bandas mesmo, do que propriamente pelo público, porque caramba, deve ser terrível ires actuar e não teres as condições que mereces!

Enfim... mas ainda assim, pelo que li e vi, acho que valeu a pena, né? :)

Muito giro o efeito com os cubos! :) Ao vivo deve ser a loucura..

**

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09 setembro, 2008 19:49 ×

Yep, valeu bastante a pena, e os cubos eram giros mas faziam mal à cabeça se ficasses muito tempo a olhar para eles. ;)

Aquilo ao início estava mesmo weird, mas felizmente ficou melhor antes de Etienne, e ainda bem. ^_^

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