Precipício

"Já pensaste em atirar-te para o precipício sem ponderares sequer se este tem fundo ou se alguém estará lá para te tirar do mesmo, ou para evitar que dês esse passo precioso?

Se não o fizeste ainda, pensa bem, pois é isso que é preciso para que eu te dê um pouco de atenção, para que os meus olhos irrequietos parem um pouco, para que este mar negro descanse e pare de mudar de cor.

Sim, pensa bem antes de te deitares nesta teia em que deixas de saber o que é sentir por ti, em que passo a assumir o controlo e onde te concedo os desejos de libertação que tanto almejavas quando falavas durante o sono. Queres fugir, queres um abanão e que te destrua todos os teus alicerces para que o mundo te pareça novo? Está bem, mas não digas depois que não te avisei, quando perceberes a dependência desses e de outros sentimentos, em que nunca mais irás voltar a ser tu, porque é assim que eu sou. Absorvo tudo e sou capaz de te sugar toda a essência num golo rápido e eficaz, tal como a embriaguez provocada por um bom vinho ou um copo de absinto bem servido, onde fazemos questão de nos esquecer de pedir que juntem sumo de limão a acompanhar.

Não existe nada de poético nisto, e ainda bem, pois não queremos cá idealismos, nem sonhos. Tudo é muito concreto, muito real. É um empurrão forte, de fora para dentro, que nos estremece os ossos. A ideia é que sintas algo que seja, mesmo que não por ti, que te deixes conduzir até que um dia te deixe fugir bem debaixo do meu nariz, fingindo que não te vejo. Dizem que o desprezo é uma arma eficaz, e cá estaremos para a testar.

Vem e salta, estatela-te neste chão de maneira magnificente, e não contes comigo para te levantar, mas apenas para olhar, não por ti, mas para ti. E nessa altura podes crer que irei estar a sorrir, sem vergonhas ou segundos sentidos, porque é mesmo assim que eu sou, honesta."

Nuno Almeida, Lugares Comuns, 2008

boomp3.com

8 comentar

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Lucia
admin
01 julho, 2008 22:25 ×

haha Tão lindo!

Não há nada como beber absinto sem gelo nem sumos e saltar do precipicio direitinhos ao chão. Já perdi a conta aos saltos. o_O

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01 julho, 2008 23:36 ×

.. Chiçaaaaaaa... e achava eu que estava a ser violenta quando hoje de tarde falava em esfaquear não sei quem com não sei o quê no pescoço..

**

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02 julho, 2008 09:53 ×

É, o absinto tem dessas coisas tem. :p

Liliana, hmm, talvez. :) Mas já nem sei bem se este é violento ou simplesmente wtf. Não sei porquê faz-me rir sempre que o releio, assim com um ar tipicamente alucinado e meio louco. Erm... ;)

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Sofia
admin
08 julho, 2008 02:46 ×

Apesar dos Portished e do verde esmeralda do absinto, ao ler o teu texto só me vem à ideia o som da 'Heroin' e as palavras ditas pelo Reed... Tenho a imaginação a pregar-me partidas... "and I guess that I just don't know"

§

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08 julho, 2008 15:01 ×

E que bela música essa também. :p

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Sofia
admin
09 julho, 2008 02:09 ×

Thx!

Isto começa a ficar recorrente:
tu mostras novidades e eu relembro algumas que vão caindo no esquecimento, hehe ;)

Só se torna terrível porque dá de mim uma imagem de "velha do restelo" que não sou de todo!!

Tenho que me esforçar mais para tentar inverter a situação, mas é injusto porque ganhas-me aos pontos em tempo e disponibilidades...

;)
§

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09 julho, 2008 09:56 ×

Lol. A cena da música é perfeitamente normal e acontece-me o mesmo a mim e a muita gente. Não é por algo ser novo ou "velho" que o impacto é melhor, pior e derivados.

Em certos aspectos até acaba por ser mais positivo relembrarmos certas coisas, e dar a conhecer as mesmas às pessoas, invés de apenas cenas novas, visto que a maior parte até têm origem no passado anyway. :)

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