Seguir em frente - Parte II

"Estou a olhar para um conjunto de fotos à minha frente. Éramos um casal bonito, sendo algo que sentia na hora, e que ainda sinto sinceramente. Ainda sei todos os teus contornos, a maneira como te apareciam umas pequenas rugas na testa quando sorrias de certo modo, como tinhas um tique nos olhos e sobrancelhas quando estavas chateado com algo, como os pelos do teu braço se arrepiavam sempre que te tocava ao de leve com a ponta das minhas unhas.

Sempre que faço a cama e arranjo os lençóis pela manhã, continuo a deixar a tua almofada no lado esquerdo da mesma. Nunca percebi muito bem o porquê desta divisão entre direita e esquerda, mas também não interessa. Era assim e acabou. Sei que podia arranjar um peluche para me fazer companhia, mas não é a mesma coisa, como tal continuo a deixar a tua almofada, assim, paradinha, fofa e branca, como nuvens, neste meu altar de recordações.

Não sei onde tudo deu para o torto, mas nem gosto de o ver dessa maneira. Aliás, confesso que ainda não gosto de te ver sequer. É difícil aguentar o silêncio, a falta de palavras entre pessoas que já formaram uma entidade, de te ver ali e não reagir da maneira habitual, com aqueles jeitos e hábitos que fomos ganhando com o tempo, em que a confiança era não cega, mas algo perfeitamente natural, em que simplesmente ages assim. Porque é que temos de erguer estas barreiras? Porque não posso simplesmente chegar ali e afagar-te o cabelo como fazia? Ou dar-te um pequeno encosto cúmplice? Ou ficar simplesmente ao teu lado enquanto ouço o que as pessoas estão a dizer sem me interessar verdadeiramente pelos assuntos?

Nos últimos tempos nada fazíamos, e talvez estejam aí as respostas que procuro. Ou elas talvez nem existam, porque muitas vezes as coisas acontecem porque sim, porque elas são como são, mas fico sempre com a sensação que podia-se ter feito mais qualquer coisa. É mais um pequeno “e se?”, dos tantos que fazem parte da minha vida.

Acho que nunca vou ultrapassar isto, e já pensei em sair do país, porque não chega apagar os contactos que possa ter teus. Não… Preciso de não te ver, de não te sentir, de não me magoar, de não correr para os teus braços e para estas lembranças que se constroem e se misturam com o que realmente aconteceu entre nós.

Já nem sei o que fomos, e acho que é disso que tenho mais pena, de estar a esquecer-nos, de estar a passar uma borracha por este desenho e imagem.

Porque é que me atormentas ainda? Porque não te vais embora e não nos deixas morrer de uma vez?

Apesar de tantas incertezas e esquecimentos, sei que fomos bonitos. Tenho de acreditar nisso, para bem não da minha sanidade, mas de nós, e é assim que estarei sempre aqui. Não para ti, nem para mim, mas para nós…"

Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos


boomp3.com

6 comentar

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Anna Molly
admin
12 maio, 2008 16:39 ×

E é isto que me consome!

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12 maio, 2008 16:42 ×

:(

Podias bem ser tu a personagem no texto então. E na música encontra-se o outro lado da moeda.

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Anna Molly
admin
12 maio, 2008 16:43 ×

:)

Tenho de ouvir a música. confesso que li o texto e fiquei arrepiada...e nem reparei que havia uma música! :)

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12 maio, 2008 17:15 ×

"we used to be such fun"

Terrífica a música (e que final!), de um disco deste ano, que me surpreende cada vez mais. Quem sabe fale dele num destes dias, tal como de Elika e outros.

Mas isto está na hora de se escrever umas coisas mais alegres, para animar o nosso astral, se bem que eu ando numa mood meio weird devido a questões pessoais, e nope, não tem nada a ver com relações e casos como os destas personagens. :)

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