Dinâmicas

"Tic tac tic tac…

Os ponteiros do relógio apontam furiosamente para mim, giram sem algum sinal de cansaço, os segundos não param de correr e tu já me rasgavas as roupas, invés de estares aí, simplesmente aí.

Corto-te as pernas, de maneira a que não possas fugir. Prendo-te as mãos e a cabeça para que me possas enfrentar, para que consigas ver o que tens à tua frente. Nem sempre o caminho para a felicidade é linear, fácil e sem dor, por isso agora aguenta-te aí… mais uma vez.

Sim, tenho problemas, sim sim, mas já sabias disso quando te quiseste meter comigo. Achavas piada e gostavas de dizer para os teus amigos que: “eu gosto é das malucas”.

À medida que passo a lâmina pela tua face, que o metal passa de um cinzento frio para um vermelho acolhedor, vislumbro no teu olhar que agora já não estás a achar tanta piada, tal como nos primeiros tempos em que te consumia até ao tutano e sopravas por tudo e por nada, em que dizias que ias chegar mais tarde a casa porque tinhas muito trabalho, e depois disso que estavas sempre muito cansado para termos sexo sequer. Espera lá que já te digo.

Já tinhas vergonha de mostrar os pulsos devido às marcas das algemas, tentando sempre esconder os mesmos vestindo roupas com um número maior que o ideal para o teu corpo. Não vais a bem, vais a mal, pensava sempre cá para comigo, e já que não conseguias controlar certas partes do teu corpo, nada como usar isso para minha vantagem. Cansadito é?

Corto-te mais um bocadinho, e deitas umas lágrimas, que não hesito em lamber imediatamente. Adoro sentir o gosto salgado na minha língua, é uma sensação de prazer e poder inebriante, e interrogo-me: como é que tu não vês neste momento o quanto eu gosto de ti?

Dispo-te as roupas, levanto a minha saia e deixo-me encaixar. Perdeste os sentidos e paraste de morder a mordaça que te coloquei com tanto carinho à volta dos teus lábios, o que é uma pena, porque estava verdadeiramente excitada.

Empurro a cadeira onde te deixei preso e fico a olhar para ti enquanto embates no chão, observando o pó que se levanta nesse momento, o desequilíbrio de toda esta imagem, a maneira como estão dispostos os móveis nesta cozinha e a divagar sobre os porquês da luz não acender quando carrego nos interruptores.

Acho que vou fumar um cigarro e já venho para voltar a tomar conta de ti, como sempre o fiz. Até lá tenta acordar de uma vez porque quero-te a olhar para mim. Quero que sintas na pele o que é gostar de alguém desta maneira, quando nada mais faz sentido, quanto tudo o que nos resta é encontrar-nos um ao outro, quando o ar que respiras é o meu, quando quando…

Ahhh…, que se dane…

Encosto a lâmina aos nossos pescoços, deixo fluir, bailado, sono, muito sono, braço à tua volta. Finalmente somos um casal."

Nuno Almeida, Lugares Comuns
2008, Textos Soltos


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6 comentar

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15 maio, 2008 14:29 ×

Uaaaaaaauuu!!!!!... epa... tu.... mas tu... mas... beeeem... não digo mais nada! :p

Isto num dia só absorver vários textos teus de seguida é perigoso! :p

**

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15 maio, 2008 14:32 ×

A quem o dizes. :p

Este foi outro daqueles que eu próprio fiquei a olhar pra o resultado final com cara de *wtf??*

Até fico com algum receio do que possa surgir depois.

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Lucia
admin
15 maio, 2008 16:42 ×

Perverso. Dava uma curta interessante!

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