O que pode uma conversa?

Helsínquia, O vulto e o moinho, Junho 2014

Pergunta legítima. E ainda antes dessa questão, outra se levanta. Para que serve? Este tipo de eventos e convívios públicos parece estar a ganhar expressão, mas com ramificações várias. Temos conversas que se estabelecem dentro de um espaço comercial, vulgo loja, as que se centram no convívio autista entre pares, as tertúlias literárias com um objectivo definido e, entre outras, as mais viradas para o discurso motivacional da treta por exemplo.

No primeiro caso percebe-se rapidamente o motivo. Mesmo se o que se discute pouco ou nada interesse, uma conversa vulgar de café acaba por passar para uma loja porque tem o potencial de fazer com que se vendam alguns dos produtos de que se fala no estabelecimento. O segundo caso será o que se pode considerar de anomalia já que não há intenção de chegar a uma audiência que vá além dos envolvidos. A validação faz-se para dentro e a conversa nunca o é verdadeiramente. Vendem-se revoluções intelectuais com o mesmo valor de um vazio semântico, plagiadas de movimentos de outras épocas que deixam de fazer sentido fora do seu contexto histórico.

O terceiro exemplo tem, normalmente, parâmetros estabelecidos, tanto nos temas discutidos, como na vontade de originar uma conversa entre os intervenientes e o público. Em determinadas iniciativas, como nas promovidas pelo professor Vítor Pena Viçoso, sente-se um desejo de trazer algo mais para a vida de todos, de nos afastarmos do cinzentismo dos dias e das rotinas de asfixia. O quarto caso, serve essencialmente para enganar as pessoas, uma sensação de falsa esperança, de vender ilusão para proveito próprio e com um conteúdo simplório na base de frases como “basta querer para conseguir”. A ironia é tal que, em vários casos, os responsáveis que organizam esses eventos em que se ensina a ter sucesso na vida nunca o conseguiram até enveredarem por este caminho fraudulento e agora ganham dinheiro a ser uma mentira. Mas isto, como em tudo, só acontece porque existe público suficiente para o validar. As pessoas escolhem o seu veneno.


No passado Sábado, a convite da Prinst (Recantos Plurais) e Húmus, estivemos no espaço O’culto da Ajuda, em Lisboa, para participar numa conversa em que o tema base passava pela Fotografia e Multimédia. No que me toca, seria a primeira vez que o faria em público, o que aliado ao meu pouco à-vontade habitual nesse campo e certos problemas de dicção, fez com que existisse um nervoso miudinho normal.
Uma hora e 45 minutos. Foi essa a duração da nossa intervenção, muito maior do que o previsto.
Fotografia: Prinst/Húmus

Budapeste, À espera do autocarro, Abril 2014

Patrícia Infante da Câmara, A Imortalização, Novembro 2007

Uma hora e 45 minutos. Foi essa a duração da nossa intervenção, muito maior do que o previsto. As preparações anteriores, que duraram toda a tarde e deram muito trabalho, serviram, em primeiro lugar, para nos apercebermos de que já fizemos mais coisas do que normalmente nos lembramos, tanto em nome individual como em conjunto. Em segundo lugar, davam pistas do potencial que pode ter um evento deste género com as condições técnicas certas.

Copenhaga, Bicicleta em Copenhaga, Junho 2014
Algarve, Soon, Agosto 2013


Fotografia: Prinst/Húmus

Num espaço que engana por fora e que surpreende quando nos deparamos com o interior que apresenta condições fantásticas, em que no nosso caso pudemos contar com microfones, computador, tela enorme de projecção, som, apoio técnico e folhas de exposição sobre nós para oferecer a quem estivesse presente, falámos um pouco sobre quem somos, da nossa formação, do nosso percurso, das áreas em que nos movemos e de como nos conseguimos inspirar ou apoiar mutuamente. Mostrámos trabalhos de fotografia, de design, de vídeo, falámos de Portugal e da Hungria, de experiências, do doutoramento da Patrícia e do seu novo projecto fotográfico relacionado com essa nova aventura académica e que parte de alguns trabalhos da fotógrafa Sally Mann para um conceito que lida com metamorfose, corpo, morte e reinvenção. Era um dos atractivos desta conversa, a visualização, pela primeira vez, desse novo conjunto de fotografias.

Patrícia Infante da Câmara, Metamorfoses, Maio 2015
Patrícia Infante da Câmara, Anamnese, Dezembro 2010

Mostrámos algumas imagens inéditas do meu projecto relacionado com a Hungria, conversámos sobre isso, falámos deste blogue e da relação que se estabeleceu a partir daí e das noites como DJ com bandas e de como isso também passou a transparecer na área do vídeo. Falámos dos tempos em que participava em revistas literárias, antologias de poesia e, pasme-se, recitais. Falámos de muitas coisas, falámos para fora, sem peneiras ou pretensões de estrelas, falámos com simplicidade e humildade para o parco público que apareceu. Esta última parte desperta sentimentos contraditórios e pouco positivos, em particular quando até apoiamos outras iniciativas e raramente ou nunca isso é retribuído em Lisboa. Quem esteve lá veio de Massamá de carro, de Coimbra no caso de quem organizou o evento e que não teve dificuldade alguma em encontrar o espaço e houve até quem fosse de transportes mesmo estando de rastos. Quando há vontade tudo é possível.

Patrícia Infante da Câmara, Afluente, Agosto 2011

Budapeste, Eléctrico 18, Fevereiro 2013

Mas é no potencial e nas reacções posteriores de quem lá esteve que nos devemos concentrar no final, especialmente quando nos dizem que se sentiram inspiradas pelo que aconteceu e com vontade de fazer coisas ou até de imprimir fotografias que gostam, prática que se perdeu nos dias que correm e que dá todo um outro impacto aos trabalhos. É semelhante ao que senti ao ler comentários sobre alguns artigos deste blogue de como isso transformou aquele dia, de como as inspirou ou as ajudou num momento difícil, ou ao que uma pessoa me disse em relação à exposição sobre a Hungria que esteve recentemente em Budapeste, que a mostra lhe deu energia, força e coragem para prosseguir e não deixar que mais ninguém abuse dela e a pise seja em que contexto for. É isso que podem as palavras, o que pode uma exposição, o que pode a arte, o que pode uma conversa genuína e é pena que poucos pareçam entender isso.

Patrícia Infante da Câmara, O Caminho do Som, Abril 2011
Patrícia Infante da Câmara, Verbo extraviado, Fevereiro 2012

Oslo, A senhora de preto, Junho 2014

Um obrigado especial, novamente, à Lígia e Daniela por estarem presentes, pela troca de palavras e vontade de partilha, à Patrícia Sucena de Almeida pelo convite, apoio e organização do evento e, por fim, ao Miguel Azguime por disponibilizar o espaço, simpatia e todo o apoio técnico.

Fotografia: Prinst/Húmus

Pázmánd, Pázmánd V, Abril 2014

Patrícia Infante da Câmara, A Imperatriz, Março 2011