De Budapeste a Cracóvia: uma viagem no tempo


No passado fim-de-semana rumámos até à cidade de Cracóvia, na Polónia. O motivo foi a participação da Patrícia no 1º Congresso dos Lusitanistas Polacos com a apresentação da sua conferência intitulada ‘O silêncio nas páginas de Novas Cartas Portuguesas e na imagética monocromática de Helena Almeida – uma perspectiva interdisciplinar’. Como em quase tudo o que fazemos, existe uma vontade de tentar oferecer algo potencialmente diferente e que estimule as pessoas, que lhes encha a cabeça de ideias, que as faça sorrir. A missão, no final, sentiu-se como cumprida mas já lá chegarei.


Para chegar até Cracóvia, tínhamos várias opções desde Budapeste. Optámos por aquela que acaba por ser a mais desconfortável e barata, mas também a que oferece um maior prazer para os olhos, autocarro. O percurso, muito peculiar, levou-nos a atravessar montanhas, campos, uma paisagem rural que nos transportou atrás no tempo. As cores do Outono, com os seus tons laranja, amarelo e vermelho, eram já visíveis em todo o seu esplendor nas árvores que cobriam grande parte das regiões que atravessámos na Hungria, Eslováquia e Polónia. As casas pequenas, muito típicas, com os seus telhados triangulares de tons fortes, ostentavam baloiços e trampolins nos seus jardins, galinhas a correr, ovelhas, vaquinhas. À hora das refeições, as chaminés exibiam uma fumaça que me fascinava. Em algumas das populações, os cemitérios situavam-se à beira da estrada para nosso espanto. Estas vidas parecem tão diferentes das nossas e da azáfama caótica das grandes cidades que nem sei bem o que pensar a não ser, novamente, que o mundo é enorme e que carece de uma maior exploração pessoal. Em alguns casos, quando as casas se perdiam no meio da vegetação e das montanhas, via-me constantemente a questionar para mim próprio, de forma muito intrigada, como funcionaria o serviço dos Correios e qual seria a dificuldade das cartas e encomendas chegarem a destinos tão remotos. Foram 9h de ida (devido a contratempos que atrasaram as 6h previstas inicialmente) e 7h no regresso, uma odisseia em que os olhos queriam absorver tudo, um estado de criança latente e com demasiados pormenores a requererem atenção.


Descrever a cidade de Cracóvia não é tarefa fácil, especialmente porque não tivemos muito tempo para a explorar, mas a zona do Centro onde ficámos alojados, com toda a sua arquitectura mais velha e histórica, é bastante bonita, uma mistura entre o ambiente de conto de fadas de Praga e uma aura medieval que se nota não só nos edifícios como também nas indumentárias de algumas pessoas. É um lado que atrai e que é explorado do ponto de vista turístico. As pessoas, em geral, pareceram-nos simpáticas e grande parte até falava inglês e não tinha problemas em fazê-lo, o que não acontece em Budapeste por exemplo. Visitámos igrejas deslumbrantes, passeámos à beira-rio, entrámos numa livraria judaica maravilhosa, demos de caras com um concurso canino surreal dentro de um centro comercial que serviu de mote para que ocorresse uma concentração de alguns dos cães mais ridículos e fofos que já tivemos oportunidade de ver ao vivo. Foi uma experiência enriquecedora, como quase todas em que é possível conhecer um pouco de outra cultura.


O pequeno vídeo que criei como teaser para a conferência da Patrícia já dava uma pequena ideia do que esperar, mas ouvir ao vivo um texto tão bonito, poético e informativo, com duração de 20 minutos, e ter um vídeo a acompanhá-lo em sincronia, é algo de muito diferente a diversos níveis. O trabalho, hercúleo, só foi terminado na madrugada anterior e às duas da manhã ainda estávamos a fazer testes, com a Patrícia a ler o texto à medida que eu editava o vídeo consoante as necessidades do texto. Foram dias sem dormir e o cansaço ameaçava tomar conta de nós. A ideia, além das que menciono no primeiro parágrafo, partiu das possibilidades infinitas permitidas pela junção lógica de várias áreas criativas, como também da utopia de tentar com que o resultado final pudesse despertar curiosidade e interessar a mais pessoas que não apenas as de um meio puramente académico. É uma vontade de fazer chegar a mensagem ao maior número de público possível, de quebrar estereótipos sem que para isso tenhamos de reduzir o resultado ao menor denominador comum. Alcançar um meio-termo, uma vez mais, e apresentar um outro tipo de abordagem que demonstre que é passível de funcionar.


A sessão e mesa em que a Patrícia participou, na Biblioteca da Universidade Jagellónica de Cracóvia, foi das mais emotivas a que tivemos o prazer de assistir. Falou-se de Cinema, de Manoel de Oliveira e da sua relação com as cidades, de documentários, de culturas e costumes em vias de extinção, de Literatura e de Fotografia, de Silêncio, da Mulher. Gerou-se no final uma discussão saudável, muito feminina, sensível, emocional, bonita. No que toca à Patrícia, o feedback foi excelente e muito positivo, em que até existiram convites para ela levar esta apresentação a outros locais e públicos. Foi uma sensação libertadora perante a pressão que sentíamos e a aposta arriscada. Não é fácil enfrentar um público exigente onde até figurava uma das maiores inspirações pessoais e académicas da Patrícia, Anna Klobucka.


Missão cumprida portanto e fico feliz por ter podido dar um pequeno contributo a estes dias em que Portugal esteve em destaque na Polónia, em que nos sentimos um pouco maiores e onde sentimos que o nosso país é motivo de orgulho, com muito para dar, longe do cinzentismo miserabilista e da autocomiseração que tanto nos parece consumir nestes séculos recentes.