Da importância à insignificância: um limite perigoso


Nestes dias tenho dado comigo a pensar demasiado em como quase tudo com que nos preocupamos é tão insignificante como irrelevante. O que cada um de nós considera importante é um assunto sem fim ou até indiscutível mas há alturas em que esta questão parece querer engolir-nos ao ponto de corrermos o risco de nos tornarmos eremitas e niilistas.

Ao contrário da neve e da chuva que brindou o início da Primavera, hoje acordámos com um bonito sol que cobria Budapeste com uma luz muito própria. Ao mesmo tempo, um jornal português de renome fazia notícia das novas mudanças no facebook. Muito importante. Ir à respectiva rede social dava para observar várias partilhas da mesma notícia. Importante portanto. Entre isso, encontrávamos outras distracções que mudam consoante a semana ou discussões tão pertinentes como as eleições de um clube de futebol, do que é ser poeta ou, porque não, do estado da arte.

As conversas sobre unhas de gel, maquilhagem, os dilemas interiores que nos perguntam se ainda somos bonitos ou se já temos demasiadas rugas ou se já parecemos demasiado adultos, ou se devemos realmente viver a nossa vida ou continuar a adiá-la pelas razões mais mirabolantes e escritas de maneira confusa para parecermos cultos, letrados e misteriosos, também são um bálsamo para os sentidos. Ou não.


Noutro jornal, alguém comenta que não percebe gastar-se dinheiro num novo Centro de Língua e Cultura Portuguesa do Camões porque país x ou y não tem emigrantes portugueses. Ah santa ignorância fomentada por órgãos noticiosos preocupados apenas com títulos provocatórios, audiências e raramente por ensinar algo ao público. Uma dica, estes Centros não se destinam a emigrantes portugueses mas sim a divulgar a nossa Língua e Cultura a alunos e pessoas de outros países que, por sinal, em muitos casos demonstram um interesse e entusiasmo genuíno ao contrário do que se verifica em várias escolas e universidades portuguesas. Irónico.

Enquanto deambulávamos pela cidade, ponderava também nas vidas condicionadas por uma rotina baseada em trabalho, dinheiro, gastar o que vamos ganhando em sobreviver ou numa pequena distracção para repetirmos os dias. Pelo meio, pensava nos objectivos de vida baseados em ter filhos e deixar descendência, nas porcarias que metemos na cabeça sob o signo da religião ou da política e se afinal de contas evoluímos assim tanto através da História ou se mudámos apenas a definição das coisas e as maneiras como as fazemos. Raios, talvez tenha apanhado demasiado sol.


As fotografias que acompanham este post foram captadas num dos monumentos mais tocantes e diferentes que já tivemos a oportunidade de ver até hoje. Este conjunto de sapatos, feitos em bronze, é um Memorial do Holocausto e representa as vítimas que eram executadas junto ao rio Danúbio pela polícia secreta nazi que dava pelo nome de 'Arrow Cross', pertencente ao partido político de extrema direita com o mesmo nome.

As pessoas eram obrigadas a criar uma fila, a tirar os sapatos e nunca sabiam quem iria ser executado a tiro. Algumas das vezes, quando queriam poupar balas e elevar o sadismo para um nível ainda mais cruel, os soldados nazis atavam um grupo de pessoas, disparavam sobre uma e observavam como o corpo morto dessa arrastava as restantes para o fundo do rio afogando-as no processo. Os sapatos de bronze deste monumento representam os sapatos deixados para trás pelas vítimas. Sente-se o estômago a apertar, um silêncio que nos esmaga à medida que a nossa imaginação visualiza a agonia destas pessoas.

Quanto mais observo, quanto mais aprendo, mais sinto que nenhum dos meus problemas é importante. Sabemos lá nós, grande parte de nós, o que é realmente sofrer ou ter problemas. Isto traz também outro risco, o de nos tornarmos intolerantes, demasiado sérios e algo cínicos com os problemas dos outros, assim como o de questionarmos a importância da maior parte das coisas, incluindo as que fazemos.

Aprender a relativizar, humildade, expurgar toda a porcaria incentivada por uma sociedade de consumo e capitalista, redefinir hábitos, encontrar no passado novos paradigmas para viver um presente que plante as sementes para um futuro que nos dê um outro sentido enquanto seres humanos. Faz falta, urge.