VI

"Ontem foi uma sensação estranha, dar-me a ti assim, a preto e branco, as sombras a desaparecerem na luz ténue, sem que os teus lábios me apertassem as veias quando o peito fica mais inchado. Estava nu, não na percepção mais física do termo, mas na mais real. Uma, duas e três vezes, teríamo-nos tocado outras tantas, faríamos do chão um santuário de sangue, os cabelos puxados com fúria, os estalos com as costas das mãos, os adereços pelas pernas acima, há uma violência latente em nós que me fascina, que me põe naquele estado, duro, à mercê dos pedidos para continuar assim sempre que temos a mínima oportunidade de exercer a nossa loucura um no outro. Monopolizas-me as conversas e os cheiros, trago-te nas camisas apertadas com gravatas finas que se querem enroladas no teu pescoço, a vida a desaparecer-te dos olhos, é um instante a recuperar tempo que não deve, nas unhas a desenharem formas nas cuecas semi-despidas, cintura a espreitar, era capaz de ficar dias a roer esses ossos, um cão dedicado, sem trela, a uivar pela próxima oportunidade de te pintar o corpo com o meu território. Adoro-te."

Nuno Almeida, Os Diários de A. & P., 2010