Diálogos do Óbvio

espera, shh, antes disso, aqui

"Respirar no outro, sabes o que isso é?

Quando os teus pêlos se eriçam só de pensar naquela presença, ou mesmo perto dela, em que te falta o ar nos momentos mais estranhos do dia e pedes para lhe ouvir a voz, um nadinha, só ali. Quando a caixinha que tens aí dentro da tua pele bate de maneira descompassada e ficas sem fôlego, tentando racionalizar e dizer para contigo que isso é do tabaco. Quando mordes os lábios e só pensas nas feridas que te fazem sentir que há vida debaixo das veias salientes nos braços que pedem os teus dentes neles, por não conseguires conter a ansiedade por mais um gostinho de contacto. Quando as coisas mais banais, que pensavas serem só tuas, tornam-se coincidências mútuas e novos sinais na tua cabeça que existe ali algo mais do que corpos que já conheceram todas as ruas, esquinas, bares e recantos da casa, estes últimos, um descobrir de funcionalidades fantásticas, como a mesa da cozinha e o lavatório, verdadeiros deuses no que toca à troca de aromas.

Quando as compras no supermercado só fazem sentido com uma outra mão a ajudar-te a carregar os sacos, enquanto confirmam novamente se o troco que receberam está certo. Quando a energia é tanta que a luminosidade cega tudo à volta e faz-nos sentir alienígenas no meio dos cenários mais apocalípticos, não percebendo o que está ali a acontecer nem querendo perceber diga-se. Está tudo louco, pensam.

Quando algo não corre bem na vida do outro e sentes isso a dilacerar-te por dentro. Quando sabes que separar nomes já não faz o menor sentido, tu és ela e ela, tu, logo, as complicações só existem nos dramas existenciais dos outros porque ali, só ali, tudo é perfeito. Quando as pessoas já não vos podem ver à frente nem ouvir-vos falar mais do que fizeram porque a vossa felicidade é incomodativa e uma afronta ao vício da melancolia.

Tens razão, o amor é insuportável."

Nuno Almeida, Ecos de Gravidade, 2010