A penhora dos pulmões


Os campos de mármore têm o som da tua acribia ainda fresco na pedra. O adeus não se diz com palavras, contavas-me tu ao ouvido quando procurava o sono que não existia. Ele mostra-se no terreno, nos vestidos penhorados nas montras porque carregam memórias, nas gavetas onde residiam os faqueiros que originavam as maiores dissertações filosóficas sobre a origem dos nomes e dos porquês de serem azuis ao invés de prateados.

Os fantasmas não envergam os lençóis da enfermaria onde inventavas sorrisos todos os dias, as suas vestes estão na secura da boca, na ansiedade do entardecer e na maneira como a luz incidia sobre a porta de casa de cada vez que rodavas a chave. Era deliberada a posição da cadeira ali no centro da sala mas não a ordem dos empalamentos. Desfiz-me dela.

As ruas estão cheias de alfarrabistas vazios, de histórias de meninices escondidas nos livros em que deixaste viver os desenhos dos teus dedos no pó das estantes desalinhadas. Arritmias, o peito falha pulsações à medida que os candeeiros se acendem. As sombras descem até aos clientes das esplanadas dos cafés.

Coso a língua aos pulmões.
Desfaço-me do diafragma.
Poluo-me.

Nuno Almeida
Contos do Tirano

2014

O faqueiro que era azul ao invés de prateado

Guardar [MP3, ZIP] Duração [53:15] Data: 03-11-2014

Playlist:
01. illl & irma - Walk Softly Stranger
02. And Exile - Aleph II
03. Unlogic Thing - Miserere
04. The Harrow - Mouth To Mouth
05. Képzelt Város - Albireo B
06. Nosound - Some Warmth Into This Chill
07. The Twilight Sad - Reflection Of The Television
08. The Slow Readers Club - Forever In Your Debt
09. Stumbleine - The Beat My Heart Skips
10. Olivier Libaux - Running Joke