Encostos à margem do destino

«Sinto vontade de me atirar de um penhasco. Não te apoquentes ainda, o chão, subjugado nas réstias de sólido, continua a suster-me, rédeas presas, sem baloiçar, há toda uma presúria diante de nós. Amorfas, as sombras parecem querer engolir o enxofre dos dias, os cartões que encosto nas ranhuras, os comboios sem hora, as pessoas que não têm nome.

Descer as escadas é um acto que carece de sentido, afasta-te, degrau nenhum é merecedor de uma cama vazia no tempo que mais importa, consequências encobertas, palavras desencontradas, recolhei-vos, há que queimar a pele, há que inocentar os réus nos tribunais da beatitude. Magnífica, a labareda irá queimar-nos os vestidos e as camisas, deixará no ar um odor a carne queimada, uma rendição no putrefacto das teorias e das razões. Perdida? Não, longe disso, faltam-me só as direcções do coração, um mapa astral que me encaminhe para as estrelas e aí, bem no centro da criação das tormentas, saberei encontrar-me.»

Nuno Almeida
Histórias de raparigas com casacos de cabedal e braços cobertos com pulseiras

2011

planaltos dos destinos incertos
Guardar [MP3, ZIP] Duração [43:45] Data: 13-10-2011

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