Os Passeios das Mãos pela Manhã

"Estás a tremelicar, sinto. Os nós dos dedos também não enganam.

Ainda nem acordaste como deve ser e já os monstrinhos brincam na tua barriga, fazem-te cócegas e sabes perfeitamente que estou a falar contigo através das vozes e melodias de outros. Isto é bonito, pensas, nós somos bonitos, o presente é bonito.

Arrepios.
Suspiros.
Arrepios.
Suspiros.

Arrepios, arrepios e mais arrepios, tens aí a noção que existe algo que transcende a matéria ou definições fáceis, cujo nervo central se encontra no nosso papel e trabalho aqui, quer sejamos amantes, amigos, companheiros ou o que lhe quiserem chamar. Até o cantar dos pássaros soa agora diferente, numa candura que delicia e derrete os sentidos à medida que os minutos vão passando.

Aqui, espera um pouco, diante de ti, olha para a maneira como as veias desenham estradas no topo das mãos, as linhas, os riscos, as pequenas rugas, as marcas da idade, tão humanas. São tuas, podes ficar com elas, de tratamento simples, só precisam de passeios regulares na tua pele para se manterem vivas. Sentes? Não?

Espera.
Chega aqui.
Eu segredo-te ao ouvido.
Isso."

Nuno Almeida, Ecos de Gravidade, 2010