Madrugadas de Encantamentos e Melancolias

"Não há muito para explicar. Umas vezes o nosso coração derrete-se, outras não, é com este pensamento que faço as lides da casa com um sorriso, maravilhada com a gata a correr atrás da vassoura, a brincar com o aspirador e a agarrar-se com unhas e dentes a todos os panos que encontra.

Nalgumas dessas ocasiões, paro por momentos, apalpo as texturas de uma mesa e sinto-lhe o rugoso das imperfeições. Ela, como sempre, pára por momentos também e fica a olhar para mim,

Dançamos?

Reflectidos nos olhos preenchidos com uma imensidão de vida, fugimos das sombras para onde não exista luz, queremos todos os objectos a prestarem-nos a máxima atenção.

E agora, dançamos?

Mexemos os dedos alternadamente, os braços elevam-se e falam com o ar, encostados em forma de remoinho, os pés ganham uma leveza de inalcançável, ali, desde aquele minuto em que percebemos que a estranheza diante de nós não era mais do que uma familiaridade, a nossa, num tempo que se encontra só aí em forma visível e faz-nos doer partes do corpo das maneiras mais surpreendentes.

*....................................*

*em silêncio, rodopiam pelas divisões*

Dançamos?"

Nuno Almeida, Ecos de Gravidade, 2010